O resumo que o José Arnaud faz da sessão que decorreu no MNA corresponde totalmente eu que eu também senti: existem realmente motivos de esperança.
Os números aí apresentados inicialmente pela Jacinta Bugalhão deveriam ser do conhecimento de todos e informar também os debates a fazer nas outras cidades do País nos próximos dias. Seria talvez útil que o Jorge Raposo pedisse autorização para os citar e incluir neste blogue.
Em 15 anos a actividade arqueológica transformou-se radicalmente no nosso País. Contrariamente à Jacinta, e como disse no debate, não penso que tal se tenha ficado a dever principalmente à existência do IPA, mas sim a uma conjugação de factores, muito auspiciosa:
a) No plano internacional e de fundo, ter finalmente chegado a Portugal, com todas as suas consequências, a legislação europeia sobre impactes ambientais;
b) No plano nacional,
b1) ter havido a batalha do Côa e tudo o que ela trouxe de visibilidade acrescida da arqueologia e dos arqueólogos;
b2) termos então estado em plena época de vencimento das políticas do diálogo, sensíveis aos movimentos de opinião pública (guterrismo), por oposição à época precedente, de forte autoritarismo (cavaquismo).
Se não houve o movimento de fundo europeu a que aludi e se fosse hoje (socratismo), duvido que tal salto tivesse sido dado.
Porém, não quero de modo nenhum diminuir o papel do IPA, que esteve, e muito bem, à altura dos acontecimentos e deixa para a história um balanço global positivo, especialmente na área do acompanhamento e fiscalização de tudo o que tem a ver com impactes ambientais e, em geral, com a intervenção no território. De resto, o maior êxito do IPA, na minha avaliação, está precisamente em ter facilitado que se tivesse desenvolvido um quadro profissional e social da arqueologia que o transcende e tem condições de continuar a existir, mesmo sem IPA ou até mesmo sem grande peso da arqueologia dentro do Ministério da Cultura em geral (podendo até conceber-se o dia em que as funções de fiscalização de impactes ambientais em arqueologia possam ser garantidas por organismos na área do Ambiente).
Retomo aqui uma velha afirmação minha: quanto mais a arqueologia (como ciência e como actividade profissional) se libertar da Cultura, melhor.
Ora, é esse o salto que temos estado a dar, sem talvez nos apercebermos: hoje a grande maioria dos arqueólogos portugueses trabalha já sem subsídios da Cultura. Não é, pois, subsidio-dependente. E só espera que o Estado (podendo este ser a Cultura ou qualquer outro departamento) cumpra as funções de fiscalização e exigência legal que lhe cabem, em nome da sociedade.
Chegados aqui, havendo cerca de 700 arqueólogos (quer dizer, pessoas autorizadas a dirigir trabalhos arqueológicos de campo) ou talvez mais (se, como é justo, dermos um entendimento maior ao que é a arqueologia, incluindo nela trabalhos de gabinete, de divulgação científica e patrimonial, etc.), pode dizer-se que existe de facto uma classe profissional autónoma. Repito-me novamente em relação a outros escritos: Onde antes havia notáveis, existe hoje gente.
A forma como se organiza o Estado em ordem a prosseguir as políticas que os eleitores escolhem é importante, mas é hoje menos para os arqueólogos do que era no passado, quanto tudo gravitava obsessiva e até doentiamente em volta de um pequeno sector desse estado: a Cultura.
Não é caso para se dizer aos governantes, especialmente aos da Cultura, “arranjem-se como quiserem e deixem-nos em paz”. Mas é caso para pensarmos que já possuímos a maturidade e o poder suficiente para sermos uma verdadeira classe profissional e intervirmos em conformidade, tendo o Estado e dentro dele a Cultura apenas como um dos nossos interlocutores.
Aquilo que precisamos é fazermos com que a nossa realidade de classe profissional tenha a devida tradução social. Actualmente existe um desfasamento gritante entre essa realidade e as modalidades da sua expressão social organizada. È isso que urge corrigir.
A via que propus passa por:
a) criação a curto prazo da Ordem dos Arqueólogos, por iniciativa conjunta da Associação dos Arqueólogos Portugueses e da Associação Profissional dos Arqueólogos. Para aqueles que dizem que não temos ainda maturidade suficiente, que somos poucos, etc. direi que o “caminho se faz caminhando”, que chega de nos auto flagelarmos com críticas porventura bem intencionadas mas paralisantes, que os biólogos eram cerca de 250 quando criaram Ordem dos Biólogos, etc., etc.;
b) constituição de plataformas permanentes de intervenção entre as diferentes associações representativas de profissionais da área do património cultural; eu, pelo meu lado, espero poder dar a curto prazo passos consequentes neste sentido;
c) exigência, junto do Governo, da Assembleia da República e dos Partidos Políticos, de instrumentos credíveis e representativos de consulta obrigatória do movimento associativo, profissional e cívico, em ordem á definição de políticas patrimoniais, incluindo a questão da forma de organização do aparelho de Estado nesta área.
Estou optimista. Da velha consigna trotskista e tendencialmente golpista segundo a qual “o movimento cria a estrutura” retenho a leitura marxista da mesma, ou seja, a de que é preciso primeiro que as condições objectivas existam, para que depois sejam criadas as condições subjectivas que permitam dar um qualquer salto organizativo. Com quase 1 milhar de arqueólogos que na sua grande maioria já não dependem dos subsídios da Cultura, nem do Governo no seu todo, nada impedirá que ambicionemos ser uma verdadeira profissão, tão independente e tão estimável socialmente como qualquer outra, reconhecida através da sua Ordem.
Luís Raposo
2008-03-04
Ter esperança é antes de tudo confiarmos em nós próprios
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Sociedade
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3 comentários:
Eu acrescentaria um ponto b3)- a luta contra a lei da caça ao tesouro 289/93.
Eu gostaria de esclarecer uma questão de uma vez por todos:
O IPA morreu, paz à sua alma!
Está morto e enterrado e para mim, já só conta como realidade histórica.
Por outro lado, eu não acho que seja mérito exclusivo da acção do IPA, as grandes alterações (que considero essencialmente positivas) na Arqueologia Portuguesa dos últimos 10 anos. Considero sim, que o IPA soube aproveitar muitíssimo bem as condições propícias da conjuntura e isso é mérito, antes de mais, do João Zilhão e do Monge Soares.
Ou seja, eu concordo com o Luís Raposo.
Espero que esta minha opinião fique clara de vez!
Jacinta Bugalhão
E gostaria ainda se sublinhar:
"Onde antes havia notáveis, existe hoje gente."
E já agora mais um aspecto que aflorou no debate mas que merecia ser aprofundado. Um dos grandes problemas da classe profissional é a sua frágil preparação/formação (como diria o Miguel Almeida).
E a isto não é alheio o facto da classe (os tais 700...) não constituírem um grupo homogéneo, por exemplo do ponto de vista da pirâmide etária. Há muito mais jovens, do que "meia-idade" (?) e Kotas (no sentido africano: mais velho, ancião, sábio...).
Assim, os notáveis a mim não me fazem falta nenhuma; mas referências, mestres, sábios, experientes... fazem-nos muita falta! E como são poucos, tem que trabalhar mais. E alguns fazem-no, outros, nem por isso...
Jacinta Bugalhão
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