2008-03-11

Autoridade fundadora ou fundação autoritária

"Há muito mais jovens, do que "meia-idade" (?) e Kotas (no sentido africano: mais velho, ancião, sábio...)." (Jacinta dixit).

Eis um ponto fundamental, mas raramente referido: a desproporção enorme entre os tais "kotas", raros, e a multidão de jovens arqueólogos.
Evidentemente, a existência de elementos mais experientes, como diz a Jacinta, "no activo" é um factor decisivo de transmissão de um conjunto de princípios estruturantes da actividade, quer ao nível técnico, quer talvez até sobretudo ao nível deontológico, sob a forma de "auctoritas" reconhecida por todos.

Sem um mecanismo deste género, um sector profissional perde a sua cadeia de transmissão dos tais princípios e, por isso, perde a profundidade histórica indispensável para dar o tal salto de maturidade que todos desejamos.
Evidentemente, para fazer a ligação com o muy discutido tema da criação da Ordem, reside aqui uma das maiores dificuldades de instituição de uma estrutura associativa de cariz profissional com capacidade disciplinar: recordo das minhas perdidas aulas de Direito romano que nenhum edifício normativo pode sustentar-se apenas numa "potestas" (num poder), antes necessitando da tal imagem de autoridade, socialmente reconhecida. É esta que precisamente falta na Arqueologia nacional e, por conseguinte, (entre outras dificuldades) impede a criação imediata da dita Ordem.
Ou seja: a Ordem é uma estrutura RECONHECIDA pelo estado, que INSTITUCIONALIZA um ordenamento, mas NÃO CRIA ESTE ORDENAMENTO, que tem que lhe ser precedente e consiste na sua razão de ser.

No nosso caso, a questão é ainda mais complicada: não apenas esta cadeia de transmissão se quebrou, mas os tais princípios nunca verdadeiramente existiram, na medida em que as alterações produzidas na Arqueologia nos anos 90 foram de tal modo importantes e bruscas que criaram uma situação completamente distinta da realidade anterior da actividade arqueológica em Portugal, ultrapassando por completo a reflexão anterior sobre este problema e exigindo a criação ab initio de normativos deontológicos e procedimentos metodológicos inéditos.

No que respeita aos normativos deontológicos este longo trabalho de sapa foi assumido pelo grupo que criou a APA, liderado pelo António Silva, cuja reacção rápida a uma mudança fundamental que então ainda apenas se adivinhava lhes permitiu lançar as bases elementares desta reflexão. Entre outras inicitivas, a produção do Código deontológico da APA foi o mais decisivo dos momentos e não tenho quaisquer dúvidas de que se um dia chegar a constituir-se uma ordem (ou algo do género, também partilho da aversão epidérmica ao anacronismo da "Ordem") este documento jogará um papel decisivo na sua estrutura normativa.
Penso, portanto, que urge difundir e discutir alargadamente este documento que, a par de muitas virtudes potenciais, conta um defeito importante no desconhecimento generalizado que dele têm os arqueólogos em geral (porque, evidentemente, não goza da dita "auctoritas").

Já no que respeita ao estabelecimento de procedimentos técnicos o caminho me parece ainda mais longo e espinhoso.
É resultado disto a completa ausência de regulamentação específica relativamente aos procedimentos técnicos mínimos ou sequer à sua tipificação mesmo nos regulamentos resultantes do momento político favorável de meados da década de 90. Ao contrário do que sucede noutros casos europeus.
Isto, claro, sem que se esqueçam algumas iniciativas louváveis, mas mais ou menos avulsas. Entre estas, mais uma vez contamos impulsos tentados pela APA, quer ainda durante a primeira direcção, quer já na vigência de direcções mais recentes e da actual.
Boas intenções, que não nos devem fazer iludir a questão fundamental: não existe hoje nem na APA, nem em nenhuma outra estrutura da Arqueologia portuguesa massa crítica bastante para nos conduzir nesta "viagem".

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu gostaria de deixar uma nota de regozijo, perante os debates e o debate deste blog. Pela primeira vez, tenho a sensação que estamos a discutir os problemas da arqueologia com base na realidade e não em asserções pessoais, quimeras abstractas ou realidades auto-construídas com base em experiencies excessivamente pessoais.
Cada um tem a sua visão e esta é valiosa, mas a perspectiva de conjunto é essencial para se compreender as problemáticas estruturais, as tendências (daí a minha mania dos números), e discutir o futuro e ponderar soluções…
Penso que pela primeira vez, um conjunto muito alargado de arqueólogos está sintonizado neste sentido e espero que os resultados venham a ser compensadores.

Jacinta