2008-03-01

Sobre a desordem reinante...

Na sequência da discussão sobre o post anterior... Claro, não poderia estar mais de acordo com o comentário do Paulo.
De facto, tendo estado (de resto com o Paulo) no cerne de um projecto que visava a transformação em ordem da APA (estutura associativa que parece ter efectivamente essa vocação), também estou consciente do longo caminho que temos a percorrer para isso.

Mas mais, há diversos níveis de análise disto:
(1º) a criação de uma ordem profissional pressupõe necessariamente índices de maturidade profissional (em termos de desenvolvimento técnico, consciência ética e unidade corporativa) que não estão realizados na Arqueologia portuguesa, ainda muito jovem enquanto classe profisional;
(2º) colocar o carro à frente dos bois com a eventual constituição de um organismo corporativo de tipo ordem antes da efectiva realização destas condições prévias não só não seria benéfico, como é mesmo virtualmente impossível: as ordens profissionais são estruturas associativas de direito público e com um estatuto particular; a sua constituição não depende apenas da vontade da classe, mas exige o reconhecimento expresso do estado português -- penso que é sobretudo aqui, e não numa hipotética falta de vontade da classe que radica a explicação de ainda não se ter constituído a dita ordem;
(3º) finalmente, não estou certo de que uma estrutura corporativa deste tipo seja o instrumento mais adaptado para o fim pretendido no caso específico da Arqueologia: trata-se sobretudo de resolver problemas do sector da Arqueologia preventiva / de emergência; ora parece-me que a experiência portuguesa demonstra à saciedade o efeito nefasto da falta de institucionalização dos agentes deste sector (falta de meios humanos, de capacidade financeira, de equipamento, de estrutura de decisão, de direcção técnica, etc.), pelo que penso que deve evoluir-se naturalmente para uma progressiva maior institucionalização deste sector que, fatalmente, não será maioritariamente dominado por profissionais liberais, mas sim por estruturas colectivas de direito privado (vulgo: empresas); nestes termos, a constituição de uma ordem poderia ser muito importante para determinadas questões de natureza ética e mesmo de qualificação técnica da classe (à qual não deveria aceder-se pela simples obtenção de um grau académico), mas há ainda toda uma outra esfera de intervenção e regulamenteação que ficaria necessariamente fora do alcance desta ordem (nomeadamente aquelas questões de direito do trabalho que costumam ser evocadas directamente para justificar a sua criação).

2 comentários:

Alexandre disse...

Se a “a criação de uma ordem profissional pressupõe necessariamente índices de maturidade profissional (em termos de desenvolvimento técnico, consciência ética e unidade corporativa) que não estão realizados na Arqueologia portuguesa” então pressupõe-se que se deve, não só saber que valores deverão assumir esses índices, como também como é que os vamos mensurar...

Um dos maiores problemas que afecta a arqueologia portuguesa é a falta de uma voz única que represente e fale pela classe. (Aliás, isso ficou bem patente na reunião de sábado quando, mesmo que de forma algo contida, surgiram ao de cima os pruridos de sempre entre a APA e a AAP: estas cenas recordam-me sempre a “Vida de Brian”, dos Monty Python, quando os apaniguados da "The Judean People's Front" discutem ad nauseam com os partidários da "The People's Front of Judea" sobre quem tem o mérito de representar o povo da Judeia, vociferando ambos contra o único representante da "The Popular Front of Judea", contra quem gritam “dissidente” – mais exemplar ainda é a acção final da Brigada Kamize da Judean People's Front que, após chegar à cruz onde estava Brian e de ter feito fugir em terror os soldados romanos que o guardavam, decide-se suicidar-se colectivamente em vez de fazer algo de útil pela causa da Judeia...)

Eu considero estarmos em condições de dar o salto para a frente e utilizar a Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro (a do Regime das Associações Públicas Profissionais) para ultrapassar este marasmo em que se definha cada vez mais, em que os problemas, se não são os mesmos, estão piores e em que a questão da Arqueologia Preventiva/Contractual é apenas uma faceta mais de uma questão problemática que tem de ser vista como um todo para só então ser enfrentada parcelarmente.

Anónimo disse...

Sem qualquer receio de contrariar algumas opiniões, a Associação dos Arqueólogos Portugueses não é, neste momento, uma estrutura representativa da arqueologia e dos arqueólogos portugueses. Isto não significa que não defenda (normalmente bem) os interesses da classe quando é necessário, mas este tipo de actuação é mais fruto de necessidades conjunturais do que da explanação de uma filosofia de fundo, de uma vocação explicitamente assumida para tratar de forma coerente, efectiva e consequente as questões específicas do exercício da profissão.

Não me parece que existam "pruridos" entre a AAP e a APA, porque são estruturas muito diferentes, com propósitos que, embora circunstancialmente comuns, não são objectivamente os mesmos. Antes, existem algumas questões menores mal resolvidas que se arrastam desde os tempos da formação da pro-APA e que, de vez em quando, algumas das mais conhecidas personalidades da AAP trazem à luz do dia, constituindo talvez os derradeiros estertores de uma visão da organização da arqueologia e dos arqueólogos portugueses que queremos ver definitivamente enterrada: uma perspectiva centrada e dominada pelo mundo académico (universidades e museus) que, infelizmente, alguns dos nossos mais insignes profissionais ainda teimam em tentar salvar das cinzas.

Finalmente, a Lei nº 6/2008 define as regras gerais de constituição e funcionamento das associações públicas profissionais mas é um erro julgar que cria por si só as bases necessárias para a constituição da Ordem dos Arqueólogos: este processo necessita maturação, reflexão interna, organização e muito trabalho. Não é um assunto que se resolva com a realização de abaixo-assinados mas com a participação activa da esmagadora maioria dos profissionais (de todos os sectores) e enquadrados por uma estrutura de cariz sócio-profissional. Porque, se não me equivoco, nenhuma das mais recentes associações públicas profissionais foi criada a partir do nada...