2008-05-31

A parte pelo todo da “Arqueologia portuguesa”

A respeito da Acrópole...
Nunca será demais insistir na necessidade de devolver à sociedade sob a forma de produtos culturais consistentes o que, por via pública ou privada, o país investe em cultura na nossa área específica do conhecimento. Direi mesmo que dificilmente se me poderia pedir para assumir mais ferozmente esta luta por um objectivo sem cuja consecução afirmo que a Arqueologia não ganhará direito de cidade:
"(...) Se falhar nesta produção de resultados científicos a Arqueologia de salvamento dificilmente justificará a sua existência.
Por fim, esta eficácia também se medirá pela capacidade de fomentar a divulgação do património histórico-cultural, nomeadamente através de acções de divulgação pública e da produção de conteúdos para projectos de museografia que traduzam para a sociedade em geral o investimento na preservação daquele património." (extracto do Website Dryas)

Factos acerca de uma floresta:
É um facto que esta dimensão indispensável da Arqueologia, nomeadamente de salvamento, não tem sido cumprida pelas equipas técnicas que operam por esse país fora.
Não é menos evidente que o saldo final entre o investimento em Arqueologia de salvamento e o retorno em produção científica e divulgação cultural é neste sector claramente deficitário.
E que isto resulta directamente de o conjunto da "Arqueologia de salvamento portuguesa" desenvolver apenas um esforço diminuto no sentido de produzir quer ciência, quer cultura.
Estamos de acordo.

Porém, a segunda reflexão que quero trazer aqui respeita a um ponto que venho afirmando repetidamente. Não é menos importante!
Pese embora pense que o diagnóstico dos problemas da Arqueologia nacional seja pouco menos do que evidente, antes de partirmos em busca das soluções para estes problemas, é indispensável assumir duas atitudes que, desgraçadamente(!), parecem não estar inscritas no nosso código genético:
(1) chamar os bois pelos nomes; e
(2) não confundir as árvores com a floresta.

Ou seja, como disse num dos debates da Al-Madan (... ou talvez mesmo em mais do que um!), importa antes de mais nada compreender que a tal "Arqueologia de salvamento portuguesa" não existe fora das nossas cabeças! Trata-se apenas de uma imagem que criamos a partir de um conjunto de impressões mais ou menos correctas (segundo as informações disponíveis) acerca de cada uma das árvores (leia-se: empresas) com que formamos esta nossa imagem mental da dita floresta. Mas esta imagem global consiste apenas em... uma imagem! Não numa realidade, visto que não há qualquer traço comum que una as diferentes empresas que por aqui andam e que são, bem pelo contrário, de uma diversidade extrema (de objectivos, de estrutura, de meios, de qualificação, de ética profissional, etc.).
Apenas para ilustrar esta diversidade face ao panorama geral da falta de investimento na divulgação, junto algumas fotos de intervenções da Dryas com os tais painéis informativos, visitas de escolas, de Universidades, do público em geral, etc. E para que fique claro que isto não é uma publicidade Dryas, incluí também aqui uma imagem de uma escavação da Era, que encontrei rapidamente na Net e que mostra preocupações semelhantes.
De resto, outros exemplos poderiam contar-se aqui.
Lá está: infelizmente não muitos.

Ora, e isto tudo serve para quê?
Para, com o próprio exemplo referido (as escavações sem interacção com a população), mostrar que não chega criticar uma realidade aparente, que mais não é do que uma média de muitas coisas distintas. Importa ir ao detalhe de cada uma das árvores da floresta, ver o que cada uma tem de bom e de mau. E afirmá-lo.
Poderia reproduzir-se exactamente o mesmo raciocínio feito aqui acerca das empresas para os restantes agentes da Arqueologia nacional. As Universidades, por exemplo.
Sejamos claros, se insisto repetidamente nesta tecla é por ter um impacto decisivo sobre o tipo de soluções que procuramos para os problemas diagnosticados: se uma crítica rigorosa da floresta nos permitir identificar práticas positivas, devemos focalizar a nossa acção em criar as condições para que as práticas indutoras de qualidade sejam reproduzidas por todos (dir-se-ia: seleccionadas) e as menos boas erradicadas. E para fazer isto há que discriminar criticamente o que cada um faz, em vez de tomar a parte pelo todo.
É que no estado actual das coisas não há grande incentivo para a qualidade, nem para este tipo de práticas produtoras de ciência, cultura, divulgação, formação, etc.

6 comentários:

Anónimo disse...

Da mesma forma que critiquei alguns textos anteriores venho por este meio deixar rasgados elogios ao autor deste escrito. Admito que li duas vezes o que escreveu, é de uma profundidade e sensatez fora de série! Parabéns ao autor.

Alexandre disse...

Lá está. Parte da tão desejada aceitação social passas por pequenos pormenores como estes: a colocação de um cartaz, uma pequena visita guiada para as crianças de uma escola local (que o farão sempre com enorme entusiasmo e uma imensidão de perguntas), a instalação de redes delimitadoras e não de tapumes "opacos", a simples utilização de coletes reflectores identificados com a palavra "Arqueólogo" em contexto de obra, como vi por exemplo fazer, se não me engano, à ERA.. são tudo pequenos passos que, gota a gota, poderão esclarecer e sensibilizar para o método arqueológico e a necessidade da sua aplicação pequenas partes da sociedade. O tempo fará o resto.

Anónimo disse...

Essa "confusão" resulta, em grande medida, de as pessoas não se aperceberem que vai sempre uma grande distância entre a realidade e a sua percepção da realidade. Distância que é sempre maior entre quem não se informa, não lê, não "circula" pelos meios onde está a informação, mesmo quando se investe nas mais diversas formas para a disponibilizar. Não é, pois, infrequente que as "análises" e as "críticas" representem muito mais o crítico que a suposta realidade criticada. Embora nos tempos que correm a máxima "o que parece é" seja efectiva, é-o porque o pensamento crítico é cada vez mais baseado em senso comum e nas vivências particulares de cada um, sem grandes preocupações e esforços de procurar mais informação. Como tentei fazer na minha última colaboração na Almadan a propósito de publicações no âmbito da arqueologia empresarial, mas sem grande sucesso por falta de colaboração generalizada (salvo as referenciadas excepções), há que começar a consubstanciar as análises com dados concretos. O que é precisamente o que se solicita neste post. Mas não tenho muitas ilusões, porque a qualidade da análise não é independente da qualidade (e das intenções) dos analistas.

Anónimo disse...

Credo, agora a crítica já reflecte mais o crítico, isto já não é masturbação intelectual, agora é pura loucura!

Anónimo disse...

Tratam os recibos verdes abaixo de cão e depois querem colaboração, uma empresa é a soma dos seus colaboradores, tratem as pessoas como deve ser.

Anónimo disse...

Os meninos (porque são mesmo uns meninos), que passam a horas a escrever lindos textos (dos quais ficam muito orgulhosos), deviam ir mais para o terreno (preocuparem-se menos com as metáforas) e, talvez à chuva e ao sol, partilhar os seus vastos conhecimentos com a população (não é com os amigos).