2008-05-28

Blog wars, parte 2: know your enemy

O desalento geral de que falava na primeira parte destas "Blog wars" resulta evidentemente da soma dos dramas pessoais, vividos à escala de tempo da nossa existência enquanto indivíduos (e, neste caso, enquanto profissionais no activo), ainda que seja clara a evolução (lenta) no sentido de uma protecção progressivamente mais eficaz do património cultural e histórico-arqueológico, que conheceu avanços fundamentais desde a década de 70.
Suficientes para satisfazer os nossos anseios? Claro que não.
Não se trata aqui de um qualquer determinismo (nem risonho, nem fatalista), nem sequer social, mas apenas de observar que a direcção dos movimentos da sociedade não se inverte subitamente, pese embora fosse esse o nosso desejo. Isto não invalida que tais movimentos não se fazem sem agentes activos e que, por isso, devemos assumir publicamente o futuro que queremos para o nosso social. Cada um de nós. Tal é, em teoria, a vantagem decisiva de uma democracia: que cada um possa afirmar o seu desejo de futuro.
Realizada, esta democracia? Mais uma vez, obviamente que não, mas trata-se apenas de outro exemplo dos mesmos incontornáveis dramas pessoais de que sempre se constrói a vitória dos movimentos sociais, políticos, culturais, etc.

Portanto... O que há de novo nesta Arqueologia de 2008?
Não muito, e, como sempre, nada que não estivesse já contido no passado recente.
E no entanto, eis que subitamente nos encontramos todos a discutir o advento supostamente relevante de um blogue, como aqui houvesse uma evolução decisiva.
Não me parece que se justifique!
Não pretendo ser injusto com os autores do dito blogue, que não me custaria incluir na lista dos bem-intencionados, caso lhes conhecesse a identidade, porque no estado actual das coisas, de facto, não posso incluí-los em parte nenhuma, uma vez que eles próprios se auto-excluem da "cidade".
Não obstante, esta intenção de não ser agressivo não deve impedir-me de dizer, sem rastro de perfídia(!), o que penso.

Esta discussão, com antecedentes na lista do Archport, surge-me profundamente desinteressante, a ponto até de me ter retirado da lista do Archport, que recebia desde há anos.
Antes de mais, sou avesso a discussões sem rosto. Por princípio e, agora que o penso, quase por deformação profissional: é esta compreensão profunda de que um objecto desprovido de contexto não tem qualquer valor informativo. Apetece-me dizer que quem se posiciona daquela maneira não percebeu sequer as primeiras lições da ciência-donzela que pretende defender.
Em segundo lugar, o grupo dos profissionais jovens que hoje se revêem numa luta supostamente proletária de recibos verdes é, infelizmente, composto na sua vasta maioria por elementos com muito poucas competências técnicas, nenhumas científicas e ainda menos conhecimento de causa dos problemas da organização da Arqueologia. Esta constatação, que resulta da minha experiência pessoal, também transparece evidente de muitos dos comentários que se fizeram no Archport e no “Nível de bolha”.
Finalmente, o sentido que o dito blogue tomou demonstra a que nível os seus autores e participantes quiseram colocar a bolha. É público e notório que a massa circulante de trabalhadores eventuais que pula alegremente de equipa em equipa actua como agente polinizador de uma certa maledicência que grassa no meio. Sabemo-lo todos: as conversas dos longos dias de trabalho de campo têm uma tendência feroz para versar os horrores cometidos por outras equipas, mais ou menos rivais daquelas em que agora episodicamente(!) nos integramos. É um hábito barbudo que aprendemos de pequeninos, na Escola, quando passávamos das escavações de uns professores para os outros, hábito que conheceu um campo talvez ainda mais fértil nesta nova situação da concorrência entre empresas. Conheci, como todos, imensos exemplos disto: atingiam-se outros colegas, por vezes bons profissionais, e outras empresas, com particular insistência em comentários negativos sobre... as que considero melhores. Paradoxal!
Aprendi desde muito cedo a fechar os ouvidos a estas "denúncias". Haverá por aí mais do que um que possa testemunhar do meu desinteresse nestas conversas, que em certas equipas eventuais mais desprovidas de tino cheguei a proibir veementemente: eram mais as vezes em que os narradores desconheciam os factos, ou nem sequer sabiam interpretá-los do que aquelas em que referiam actos verdadeiramente reprováveis!

Não quer isto dizer que a Arqueologia portuguesa esteja repleta de profissionais de excelente qualidade técnica e inatacável rigor ético. Repito-me, para que fique claro: reputo de muito insuficiente a qualificação técnico-científica dos arqueólogos portugueses, enquanto grupo profissional, e penso que reside nesta insuficiência técnica, mais do que numa desonestidade consciente, a raiz de muitos atentados patrimoniais e actos eticamente reprováveis que se repetem quotidianamente por este país fora. Precisamente porque falha até a mais elementar competência técnica para perceber até a gravidade dos actos praticados.

Porém, estes problemas não podem analisar-se à luz de actos inquisitórios perpetrados por auto-proclamados campeões do património de quem não conhecemos a capacidade de avaliação. Poder-se-ia dizer que o ataque que se fez no blogue "Nível de bolha" aos arqueólogos de uma empresa é inqualificável nos moldes em que se produziu. Sem dúvida! E sê-lo-á sempre ainda que aqueles sejam de facto autores de condutas reprováveis.
Sinto-me bastante desconfortável para discutir este assunto, até porque do que ali se disse nada é claro, nem sequer de que sítio(s) arqueológico(s) se fala. Aliás, até me parece que se fala, com pouco conhecimento de causa(!), de uma mistura de histórias.
Bref... é por demais evidente que esta forma de proceder é sobretudo reveladora das "qualidades" de quem a usa e, indirectamente, da situação a que antes chamei "quarto estado" e sobre a qual o António Valera agora insistiu.
Se o episódio da bolha nos deve reter a atenção é para que aqui se discuta a situação que criou esta enormidade e não para que nos percamos no repúdio de uma forma de agir que obviamente não é muito séria e sobretudo não tem a menor relevância para a discussão.
Eis onde quero chegar.

Na sequência do primeiro dos debates "Arqueologia em revista", o de Lisboa, passei por um fait-divers que então parecia bastante desconexo do mundo real, mas que agora me vem ao espírito em resultado destes últimos "sucessos" da Arqueologia nacional no mundo virtual. Então, houve um outro comentário, que só conheci porque dele fui avisado, noutro blogue (o "Aldeia dos macacos") acerca da reunião. As opiniões emitidas pelo "Repórter Vanguarda do Proletariado" (pseudónimo do bloguista em questão) pareceram-me bastante falhas de acerto, e por isso lhe respondi, assinando, no seu próprio blogue. Em troca recebi uma resposta muito certa: a intenção não era uma discussão séria; aquele blogue é apenas uma "pura diversão", de estilo escape psicanalítico do quotidiano delirante. Ou seja: o meu comentário era descabido naquele contexto, porque embora coincidíssemos num tema, os objectivos da reflexões de cada um eram completamente distintos. Percebi. Seria como querer discutir o assunto num contexto Gato Fedorento!
O "Nível de bolha" é um pouco diferente, na medida em que os autores pretendem actuar sobre a realidade, mas bastante idêntico, na medida em que não conseguem fazê-lo de forma útil.

Neste sentido, penso que este "happening" da Arqueologia portuguesa deve ser aqui discutido, desde logo porque tem o mérito de existir. Porém, penso também que devemos ultrapassar esta dimensão do repúdio do óbvio, para nos centrarmos sobre as duas únicas questões interessantes que o "Nível de bolha" levanta:
1º. Porque é que existem na Arqueologia de hoje pessoas que sentem a necessidade de dizer ESTAS COISAS e DESTA FORMA?
2º. Porque é que este facto nos motiva a nós a necessidade de responder?

Uma e outra são situações bem reveladoras do dito estado a que isto chegou.
Eis o que devemos discutir!

6 comentários:

Anónimo disse...

Deixo mais umas achegas para completar ideias uma vez que a incompreesão é muita. Sem rendilhar e florear que bater teclas custa, o que se está a passar é fruto do que um autor cujo nome não me recordo denominava de canibalismo social. As coisas chegaram onde chegaram: recibos verdes, empregos alternativos, desemprego, maus salários..As pessoas para sobreviverem ou começam a roubar ou vão ter que canibalizar os próprios colegas da arqueologia. Quem tiver o rabo entalado, quem roubou ou tiver faltado nos seus deveres éticos ou morais será dos primeiros a ser comidos até à morte. Dúvido que passe ao próximo patamar, mas se passar os próximos visados serão pessoas com cargos de responsabilidade, a tutela e por aí em diante.

JR disse...

É revelador que, perante uma situação de crise, alguém só encontre soluções individualistas e socialmente inaceitáveis (roubar ou “canibalizar” os colegas), quando, ainda por cima, estas são manifestamente incapazes de atingir as causas que a originam.
É a lógica abstrusa do “salve-se quem puder”, com a cândida asserção de que os “primeiros a ser comidos” serão os principais prevaricadores, quando todos sabemos que esses serão sempre os que melhor se safam nesse esquema.
A situação presente da Arqueologia portuguesa, como todas as grandes questões de natureza social, não tem solução no plano individual.

Anónimo disse...

E no entanto, Jorge, é nas práticas quotidianas de cada um de nós que o colectivo e o social se forja.

JR disse...

Tens toda a razão, António, mas parece que há quem ainda não tenha percebido.

Anónimo disse...

Quem diz estas coisas desta forma é quem está farto das conversas dos meninos que estão bem na arqueologia, estes têm poder para mudar as coisas, no entanto passam o tempo a fazer reuniões e a escrever textos em que analisam os ziliões de problemas da arqueologia, divertem-se, em vez de realmente tomarem uma atitude.

Anónimo disse...

É fácil dar a cara quando se tem uma empresa (com a ajuda do papá)