Quando escrevi o meu anterior post sobre a lei 6/2008 fi-lo assumidamente sem comentários porque a ideia era abrir o debate e juntar os meus comentários só depois. Dois factores contribuíram para que só agora comente o texto que escrevi no início de Março : o primeiro foi a fulgurante resposta do post seguinte que me deixou um bocadinho esmagada e sem fôlego para “cobrir a parada”. Depois, outros interessantes posts (e sim, algo longos...) levaram a discussão para diferentes temas e sempre que pensava em escrever qualquer coisinha sobre a Ordem, parecia efectivamente fora da ordem natural (?) que teria tido se o tivesse feito imediatamente depois do texto do Luís Raposo .
Bom, mas não posso continuar a adiar o comentário até porque, nos debates que se tem realizado nos últimos sábados, muitas vezes tenho tido necessidade de intervir sobre esta questão em nome da APA.
Recordo os mais distraídos que os corpos gerentes da APA desde 2002 que introduziram no discurso e na prática a questão de transformação da APA em entidade de direito público. Em 2003 chegou mesmo a fazer-se um encontro em Cascais sobre o tema e apresentou-se uma proposta de estatutos da futura “Ordem” dos Arqueólogos. Se procurarem na nossa página o texto de apresentação da associação encontrarão explícito que a actual direcção prossegue a orientação de transformação da APA numa associação pública profissional.
Ou seja, e para que não haja dúvidas, a direcção da APA da qual sou presidente considera que a profissão de arqueólogo deve ser auto-regulada no âmbito de uma associação pública profissional. Até porque, plagiando a metáfora do nosso sócio nº1 no debate do Porto, isto do código deontológico da APA é como os dez mandamentos: ou se tem fé e se acha que se deve viver segundo aqueles princípios ou então... E efectivamente estamos a falar de (arqueólogos) portugueses e sabemos que, culturalmente, estamos sempre agarrados ao que tem “força de lei”, a um Estado paternalista e hiper presente na vida dos cidadãos. Podemos ter pena. Podemos lamentar que não tenhamos uma cultura cívica e participativa ao nível de outros países europeus que nos permita sermos organizados e responsáveis sem que seja “obrigatório por lei”. Mas isso talvez seja uma discussão para outro post (ou mesmo para outro blog).
Assente a necessidade da chancela do direito público na organização socio-profissional dos arqueólogos em Portugal, a pergunta seguinte é: e para quando?
Já aqui tivemos uma primeira resposta: porque não começar já amanhã? Eu preferiria que, a ser amanhã, fosse mais para o fim da tarde... e isto não é por ser alentejana, é mais por achar que se for amanhã nos arriscamos a dar o passo maior que a perna. Quem é que é capaz de, em consciência, afirmar que temos capacidade de cumprir o repto aqui deixado pelo Luís Raposo? O problema não é na fase das ideias, dos debates e dos discursos, do delinear das estratégias e dos objectivos. Para isso é capaz até de haver muita mobilização. O problema maior é quando é necessário sentar gente a uma secretária, produzir documentos, escrever cartas, marcar reuniões, até mesmo colar autocolantes nos envelopes ou distribuir tarjetas (e antes disso ainda era preciso que alguém tivesse tratado do design dos ditos, pedido orçamentos, contratado com a gráfica, verificasse a qualidade da encomenda e recolhido os pacotes). Custa-me um bocadinho anunciar com grande estardalhaço um projecto sem ter a certeza de ter garantidos os requisitos mínimos para o cumprir.
É verdade que, por tradição cultural também, é normalmente assim que por cá se fazem as coisas. E, espantosamente, muitas vezes funciona. Outras vezes não. Eu não gostava que a criação de uma Ordem de arqueólogos fosse uma das vezes não.
O que eu gostava (para além de viver com a organização dos países do norte da Europa, o sol do mediterrâneo e muitos coentros e alho na gastronomia), era de consolidar organização socio-profissional dos arqueólogos durante o dia de amanhã de modo a que, lá para o fim da tarde ou mesmo depois de amanhã, fosse inquestionável a existência de uma associação pública profissional. E isso, mais uma vez repito o que tenho dito neste ciclo de debates, só depende de nós. A APA é uma associação de direito privado cuja deontologia, estatutos, regulamentos e normativos só são válidos para quem voluntariamente se torna membro. É verdade, mas, se todos formos associados da APA, isso é exactamente limitativo de quê?
Porque é que não somos todos associados da APA?
2008-04-03
Um comentário fora de Ordem
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Ordem dos arqueólogos
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4 comentários:
Apoio o empenho da actual direcção da APA. Para contribuir para o debate em curso e estimular os arqueólogos a lutarem por uma associação consequente e verdadeiramente activa na defesa do património arqueológico e dos seus profissionais, aqui reproduzo um texto que enviei recentemente para o BLOG do NIA-ERA:
Não creio que a solução para o incremento da qualidade na arqueologia portuguesa seja a criação de uma Ordem. Por um lado, estamos ainda numa fase de clara imaturidade da profissão e um processo acelerado como o proposto não me parece, de todo, adequado; mais uma vez o rumo seria assumido sem esclarecimento, ponderação e unidade da classe. Por outro, a sua criação no actual estado da profissão, o que aliás me parece impossível, seria contraproducente, gerando mecanismos de favorecimento à perpetuação da imaturidade ou mediocridade, porque é ela que impera. O poder de uma Ordem de profissionais no actual contexto poderia ser dramático para a evolução e maturação dos arqueólogos porque, de alguma forma, cristalizaria as deficiências e limitações que se evidenciam diariamente.
Pessoalmente, que integro uma equipa que diariamente luta pelo incremento de boas práticas na arqueologia portuguesa, pela dignificação dos nossos profissionais e pela credibilização da actividade junto da nossa sociedade, considero, por princípio, as Ordens profissionais como algo de fortemente constrangedor da liberdade individual. Já uma estrutura associativa como a APA me parece mais adequada à acção em defesa das boas práticas profissionais na arqueologia, precisamente pela liberdade de adesão, devendo o seu peso decorrer do prestígio conquistado pela sua actuação diária em defesa dos profissionais e do Património (nunca o devemos esquecer!).
De facto, muito poderia ser feito por uma APA profissionalizada que não colocasse como seu grande objectivo a transformação em Ordem. Quanto a mim, seria de extrema vantagem a sua evolução para uma estrutura agregadora de profissionais de arqueologia e de outras pessoas (profissionais e amadoras) ou instituições, cuja actividade se relacionasse com o património arqueológico. Ou seja, deveria ser definida uma estratégia de abertura e não de enclausuramento dos associados, como aquela que, de alguma forma, decorreu da aprovação de normativos restritivos da inscrição na própria associação. Penso que o seu objectivo poderia, com vantagens, visar o incremento das boas práticas na actividade arqueológica e na actuação prosseguida por arqueólogos ou instituições sobre bens arqueológicos. A sua acção ao nível da ética profissional deveria ultrapassar a mera publicação de um código deontológico, afirmando-se antes pela plena difusão dos seus princípio, nomeadamente através de acções de formação e de sensibilização em diferentes patamares, particularmente através de contactos com as universidades e as empresas de arqueologia. Neste sentido, poderia ser considerada a possibilidade de definição de protocolos ou standards devidamente qualificados para a prática em determinadas situações (ex: normas mais adequadas para proceder a um correcto acompanhamento arqueológico de obras), naturalmente suportados em formações aprofundadas, certificadas e, consequentemente, garante de respeitabilidade.
Uma instituição como a APA, profissionalmente e socialmente prestigiada, deveria ter preocupações permanentes com a prática arqueológica - que trabalhos são feitos? em que condições? com que metodologias e equipamentos? adequam-se os projectos às necessidades sociais e patrimoniais? o que não é feito? Como se actua sobre o nosso património arqueológico? Ou seja, antes da luta pela Ordem, não poderia a APA ser dinâmica, consequente e respeitável junto dos profissionais, das instituições públicas e privadas da área do património arqueológico e da opinião-pública em geral?
Para além do exposto, as questões recentemente tão faladas da remuneração dos profissionais devem ser consideradas no seio do debate em torno das boas-práticas da profissão. Esse é um pilar fundamental da actuação de qualquer profissional: procurar incrementar os níveis de qualidade nos diferentes contextos laborais, garantindo, a partir da competência e da qualificação, as mais adequadas remunerações. Um crivo decorrente da exigência da tutela e dos "pares" representados pela associação, permitiria reforçar a qualidade final da prática arqueológica de todas as origens, podendo o olhar crítico, a denúncia ou a arbitragem de incompetências, de más-práticas e de eventuais destruições ser assumido pela APA.
Deveria ser pelo prestígio e não pela imposição que uma estrutura como a APA se deveria impor. Pelo rigor do seu código deontológico e pela elevação das normas técnicas defendidas e amplamente difundidas, seria possível criar um sistema de qualificações profissionais que garantissem planos e projectos de actuação arqueológica eficazes e competentes, passíveis de ser apreciados qualitativamente; então, pela criteriosa prática e pela visibilidade devidamente controlada de resultados, poderiam os profissionais ser avaliados. A visibilidade da profissão, a sua credibilização e a procura de bons profissionais incrementaria a qualidade, a formação e a qualificação de profissionais actualizados e sérios. Com essa procura dos bons para as melhores práticas, surgiria uma saudável competição, adequando-se, naturalmente, as remunerações às competências e aos níveis de responsabilidade de cada um.
Em síntese, sem um grande lastro de associativismo profissional e sem um profundo amadurecimento dos profissionais e consequentemente da profissão, não será a Ordem a resolver, milagrosamente, os problemas. A Ordem pode ser consequência de uma importância que a profissão venha a conquistar; mas, certamente, não será ela a gerar o que nos falta: profissionalismo, maturidade, consciência de classe, auto-estima e auto-regulação assente na permanente procura dos mais elevados padrões de actuação profissional sobre o património. Quando estes valores estiverem plenamente implementados, concluiremos que a Ordem de nada serve. A luta é árdua, mas acredito que existe maturidade suficiente para iniciar processos de exploração de caminhos que nos permitam ser cada vez mais úteis à sociedade em que nos inserimos.
Miguel Lago
Partilho da prudência defendida pela Maria José. As iniciativas extemporâneas normalmente não conduzem a resultados positivos...
Do meu ponto de vista, a eventual criação de uma Ordem dos Arqueólogos passa inevitavelmente pelo crescimento da única verdadeira estrutura representativa da arqueologia enquanto profissão. Sem que tenhamos pelo menos dois terços dos profissionais inscritos na APA será muito difícil reunir as condições necessárias para justificar a criação de uma associação pública profissional.
Mas, se continuarmos a olhar só para o nosso umbigo, a assobiar para o lado quando os problemas não nos afectam directamente, a não ser participativos nas diversas discussões (presenciais ou no hiper-espaço), a apenas intervir de forma quase indecorosa quando alguém se atreve a reflectir um pouco e a publicar essas reflexões, então qualquer pretensão de fortalecer a posição dos profissionais de arqueologia perante a sociedade e o estado está condenada à partida.
Como já referiram alguns profissionais neste e noutros blogs, é tudo uma questão de formação (ou falta dela...).
Lamento discordar: quem anda nestas coisas há mais tempo, já ouviu há 15, há 10, há 5 anos as mesmas objecções quanto a imaturidade da classe, entendida como argumento para que nos auto-menorizemos. Estou certo que daqui a 5, 10 ou 15 anos continuará a haver quem assim pense.
Há cerca de 15 anos muitos nem sequer aceitavam qualquer ideia de sindicalização ou de actividade empresarial em arqueologia (cf. a conversa que tive sobre o assunto com Jorge Alarcão, publicada na "Vértice").
Em seu tempo lutei contra a consigna "ousar lutar, ousar vencer". Entendo que ela é agora adequada ao estado em que, do pontode vista profissional, se encontras a arqueologia portuguesa.
Compreendo bem a descença da MJA quando verificamos que são poucos, e quase sempre os mesmos, os que nos mobilizamos para causas que ultrapassem as nossas vidinhas do dia-a-dia. Pacência. Já colei muitos selos em cartas e já distribui muitos panfletos à porta das estações de metro. Não me cairam, nem caiem, os parentes na lama e estou disponível para continuar a fazê-lo.
Quem insite em discursos prudentes, mas deletérios, deverá preparar-se para perguntar a si memso o que fez, daqui a alguns anos.
LRaposo
Porque é que não somos todos associados da APA?
Eu trabalho na area da arqueologia, mas nao sou licenciado, logo sou excluido automaticamente.
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