2008-02-27

O PATRIMÓNIO E O ESTADO, OU O ESTADO DA ARQUEOLOGIA?

Obviamente, e como vai sendo habitual, os últimos sobressaltos verificados entre a "classe arqueológica" estão directamente relacionados com as alterações provocadas por mais uma "reestruturação do Ministério da Cultura". Acontece que, ao contrário de outras "reestruturações" a presente se inscreve num plano mais abrangente da chamada "reforma do Estado" com implicações que, naturalmente, vão muito para além dos problemas da Cultura, quanto mais do "Património" ou da própria "Arqueologia". Não é pois possível debater ou analisar as dificuldades ou problemas destas áreas específicas, ignorando a tremenda revolução (alguns chamarão de contra-revolução) que atravessa actualmente toda a Administração Pública. Como primeiro contributo para essa contextualização, ainda que os problemas ou as situações abordadas possam pecar por algum "regionalismo" e por extravazarem as questões arqueológicas, gostaria de divulgar, com a devida vénia, dois textos (de autoria desconhecida) recentemente publicados num Blog de Évora muito popularizado e sobretudo muito frequentado (http://maisevora.blogspot.com) blog que,não raro, aborda questões do foro cultural e patrimonial.


ACS


O "CASO DA FIGUEIRA DAS PORTAS DO RAIMUNDO"

O arrufo entre a Câmara Municipal de Évora e a novel Direcção Regional de Cultura do Alentejo, a propósito da partilha de responsabilidades na manutenção das muralhas de Évora, não passaria disso mesmo, de um anedótico “arrufo entre compadres políticos” se o caso não fosse a ponta do iceberg do que é hoje o atoleiro da gestão da coisa pública, no caso em particular, da gestão dos bens culturais património do Estado. Infelizmente, os problemas com o património, como já se alertou neste blog, vão muito para além das vetustas mas ainda sólidas muralhas da nossa cidade, não tendo ainda extravasado para a Praça Pública (afinal com a excepção da “figueira das Portas do Raimundo”...) porque os gravíssimos problemas do desemprego, da saúde, da educação ou da justiça, são mais do que suficientes para irem enchendo as páginas dos jornais e esgotarem, afinal, a paciência dos portugueses.

Que esconde, pois, a polémica da pobre “figueira”?

Ao afã “reformador” do actual Governo, sempre com o fito omniproclamado de “reduzir a pesada máquina do Estado” e, teoricamente, diminuir a “despesa pública”, não escapou, como se sabe, o Ministério da Cultura, apesar da “máquina”, neste caso, com os seus menos de 0,5% do bolo do OGE, ser mais um “brinquedo do que uma máquina”... Mas, mesmo que a economia seja ridícula, há que dar o exemplo, nem que seja à custa da desarticulação das estruturas que, paulatinamente, foram criadas nas últimas décadas, muitas por iniciativa de figuras conhecidas, então Ministros ou Secretários de um qualquer Governo PS ou Bloco Central e que hoje das bancadas do Parlamento assistem impávidos e serenos ao desmantelamento em curso. Mas adiante, se é para reformar, reforme-se de alto abaixo, e apesar dos riscos da cacofonia comece-se até pela AgriCultura e pela Cultura. Se no caso da “agrária” o Governo actuou mais como “agente funerário” face aos avançados sintomas de rigidez da vítima, no caso da “Cultura, Cultura” terá sido contratado um “cirurgião estético”, com queda para o “corte e costura”. Corta-se aqui, junta-se acolá, umas pitadas de copy and paste jurídico quanto baste para fazer umas leis orgânicas, a ajuda de um mapa das NUTs para retalhar o país e aí temos, num ápice, a ex-Ministra a anunciar em cerimónia no CCB a grande Reforma da Cultura, assumindo convicta e como grande feito pessoal, ter poupado aos cofres do Estado só em cargos de dirigentes superiores e intermédios 20 e tal por cento... Esqueceu-se de referir que os tais 20% de dirigentes a menos, todos eles funcionários públicos (antigos ou recentes), regressaram rapidamente aos serviços de origem (?), promovidos sem excepção ao “topo de carreira”. Feitas as contas, a economia não era afinal tão óbvia, mas em compensação, tinha um Ministério virado do avesso, em coma induzido, com excepção para os devaneios novo-riquistas da exposição do refugo do Hermitage e para a habitual “roda das cadeiras” que estas situações sempre proporcionam. Os funcionários, por sua vez, entre a sempre excitante azáfama da troca de “cabeçalhos, carimbos e envelopes”, esforçavam-se por descobrir na leitura atenta do Diário da República, se o novo modelo tirado da cartola do PRACE era “centralista”, “regionalista encapotado”, ou, mais grave ainda, se não era uma coisa nem outra. Se no caso da Ministra, as consequências da “Reforma” (talvez mais a da Saúde do que a da Cultura) parecem ter já dado resultados práticos, com o seu despacho prás origens, já no que ao Património Cultural diz respeito, (desde sempre apregoado como “prioridade das prioridades” de todas as políticas culturais, da direita à esquerda), vive-se ainda na expectativa dos resultados da complexa cirurgia, uma vez que o paciente parece ainda não ter acordado da já longa anestesia. Extinguiram-se o IPPAR, o IPA e, por atacado, a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Em substituição, foi criado o IGESPAR que absorveu os serviços centrais do IPPAR, a totalidade do IPA e o que restava do núcleo lisboeta dos Monumentos Nacionais. A nível regional, as tão discretas como inócuas Delegações do Ministério da Cultura, foram promovidas a Direcções Regionais de Cultura, (dirigidas agora por um Director Geral vezes cinco...) absorvendo as antigas Direcções Regionais do IPPAR e o que restava dos serviços regionais dos Monumentos Nacionais. À primeira impressão, dir-se-ia que a “regionalização” rejeitada em referendo, se concretizava afinal na gestão e salvaguarda do Património Cultural e em vez de um IPPAR, passávamos a ter 1 mais 5. No entanto, uma leitura mais atenta, permitia afinal outras conclusões. A estratégia visava, de facto, o “retalhe” do património cultural do Estado, restando saber com que objectivos. Mas, a meio do processo, talvez já demasiado tarde, alguém “borregou”, parindo com a brusquidão da travagem um verdadeiro “aborto administrativo”. Consumava-se a desarticulação da estrutura regional do IPPAR, tão penosamente construída ao longo de duas décadas, mas em contrapartida, apesar da autonomia e da promoção hierárquica das novas estruturas regionais, sonegava-se-lhes toda e qualquer competência decisória em matéria de salvaguarda do património, competência que se mantinha afinal, no novo e liofilizado IGESPAR, acantonado no Palácio da Ajuda. Como imbróglio administrativo, era difícil ter arranjado melhor, continuando apesar das reformas, o dispendioso e moroso corrupio de processos, da periferia para o centro, para recolha de despachos e assinaturas agora com uma agravante de peso. Não havendo precedência hierárquica entre os diferentes serviços, acabaram as delegações de competências e a simples autorização para instalar um toldo numa zona de protecção, depende da “instrução técnica” a nível regional e da “decisão”, a nível central. Como “SIMPLEX” não está mal, a não ser que, conjugado com o encurtamento dos prazos processuais dos licenciamentos, outra medida “SIMPLEX”, o objectivo seja reduzir, rapidamente e em força, a protecção e a salvaguarda do património à lógica do “licenciamento tácito”. O que vale é que eu não acredito mesmo em “teorias da conspiração”...

Infelizmente não se ficou pela balbúrdia dos circuitos burocráticos, a “obra” que a Ministra deixou no Ministério. Ao IPPAR estava atribuída por lei, a gestão de largas dezenas de monumentos classificados, propriedade do Estado, uma pesada herança pública resultante não apenas das vicissitudes da História, entre as revoluções liberais e republicanas, mas também de aquisições recentes, particularmente no domínio dos sítios arqueológicos. Se há obra reconhecida ao IPPAR na última década, ela prende-se com o desenvolvimento de importantes projectos de valorização de monumentos, graças aos fundos comunitários, ainda que nem sempre tenha sido possível consolidar, a respectiva gestão, dados os crónicos problemas de orçamentação corrente. Ora, esta Reforma, transferiu os Palácios do IPPAR para o IMC (o Instituto que resultou da fusão dos Institutos dos Museus e do Restauro) numa tentativa de minorar os ainda mais graves problemas orçamentais dos Museus ainda que complicando a situação do novo IGESPAR (Tratou-se de aplicar o conhecido método de “puxar a manta” para combater o frio, cobrindo a cabeça mas destapando os pés…). No IGESPAR ficavam apenas as “jóias e os ossos da coroa”, ou seja, os monumentos “Património da Humanidade” (Jerónimos/Belém, Alcobaça, Batalha, Tomar e Parque Arqueológico do Côa) e os afectos a Panteão Nacional (Santa Engrácia e Santa Cruz de Coimbra…). Os restantes, dependentes de identificação em “portaria” a publicar “a posteriori”, seriam entregues à gestão das novas Direcções Regionais de Cultura. E aqui, estamos finalmente a aproximarmo-nos do cerne do problema da “Figueira das Portas do Raimundo”. Com efeito, a necessidade da “Portaria” não tem uma explicação meramente burocrática. Durante anos a fio, desde o IPPC até ao IPPAR, nunca o Ministério da Cultura conseguiu estabelecer uma lista definitiva, dos monumentos que estavam à sua guarda. Não apenas por culpa própria mas, sobretudo por dificuldades inexplicáveis da própria Direcção Geral do Património do Estado. A título de exemplo local, refira-se que o Templo Romano (ou de Diana como é conhecido) aparece nalgumas das referidas listas, quando tudo leva a crer, pela sua conhecida funcionalidade como “açougue” até ao Século XIX, que deverá ser património municipal. Exemplos como este multiplicam-se um pouco por todo o país, e se na maior parte dos casos não havia dúvidas quanto à afectação dos monumentos, assumindo o IPPAR a respectiva gestão, manteve-se sempre uma certa área de penumbra administrativa congregando casos duvidosos, por vezes envolvendo monumentos importantes, cuja conservação, por “exclusão de partes”, era assegurada pelos “Monumentos Nacionais” (refira-se só em Évora, e para além das muralhas, as Igrejas de São Francisco e Santo Antão). E, com efeito, pese embora o esvaziamento de meios a que vinha sendo submetida nos últimos anos, a quase centenária Direcção Geral, graças à experiência dos respectivos quadros e a alguma agilidade prática (ainda que nem sempre muito avisada), numa estreita articulação com as autarquias e outros serviços da Administração Pública, com a própria Igreja e até com instituições privadas, ia-se ocupando da respectiva manutenção. Refazendo telhados levantados pelas intempéries, refechando vãos abertos à chuva, refazendo ou consolidando troços de muralha que ameaçavam cair sobre o casario, enfim, tratando das “pequenas mas numerosas figueiras” que crescem todos os dias num património que precisa de manutenção regular, sob pena de atingir graus de degradação irreversível. Uma tarefa quase invisível mas fundamental mas que com a respectiva extinção, ninguém sabe quem irá assumir. De facto, no caso da DGEMN não se pode falar sequer de “fusão”. Parte dos serviços, incluindo o seu excelente Inventário do Património Arquitectónico e o valioso arquivo histórico associado, foram inexplicavelmente absorvidos pelo Ministério do Ambiente. E, salvo uma ou outra absorção de pessoal técnico, não houve qualquer preocupação em transferir as respectivas tarefas e muito menos, os meios que garantissem a continuidade das suas imprescindíveis missões. Daí a, à primeira vista estéril, polémica entre a DRCALEN e a Câmara Municipal de Évora a propósito das muralhas de Évora.

Finalmente, a tal Portaria foi publicada no Diário da República em 20 de Dezembro passado, mas para espanto de quem trabalha nestas coisas, a lista oficial, em especial no que respeita ao Alentejo, só veio aumentar ainda mais a confusão. Da quase meia centena de monumentos que dependiam do IPPAR só no Alentejo (entre Igrejas, castelos, conventos, sítios arqueológicos…) apenas foram listados 7, desaparecendo da lista imóveis como as Ruínas Romanas de Torre de Palma em Monforte ou a Gruta do Escoural; O Mosteiro da Flor da Rosa ou os Castelos de Elvas e da Amieira; as Sés de Elvas e de Évora; os Castelos de Terena, de Viana do Alentejo e de Montemor-o-Novo; o Castro da Cola, em Ourique, o povoado pré-histórico das Mesas do Castelinho, em Almodôvar, etc… etc… A situação revela-se tão ou mais absurda, quando se sabe que alguns dos monumentos “esquecidos” têm ainda projectos de valorização em curso e alguns, ainda que poucos, pois esse é um dos seus problemas crónicos, têm mesmo pessoal que lhes está afecto. Perante semelhante trapalhada, e na incredulidade de um qualquer acto deliberado de lesa património, só resta a explicação da “incompetência”, infelizmente hoje cada vez mais comum na Administração Pública. Mas já lá vão quase 3 meses após a publicação e não houve ainda um comentário oficial, uma explicação e muito menos a urgente correcção de tamanho disparate. Em todo o caso, valha a verdade nua e crua, a capacidade das novas Direcções Regionais, virem a assegurar um mínimo de manutenção aos bens culturais do Estado, listados ou não, é infelizmente uma distante miragem. Com efeito, as novas Direcções Regionais com as reduzidas verbas de investimento hipotecadas à conclusão de projectos co-financiados e orçamentos de funcionamento que não chegam sequer para os vencimentos, vêm-se totalmente impotentes para responder às mais elementares necessidades da manutenção corrente desses bens patrimoniais. E muitos desses monumentos, por falta de conservação nos últimos anos, estão hoje a atingir perigosos níveis de degradação que, ou se tornarão rapidamente irreversíveis, ou exigirão a médio prazo, investimentos incomportáveis. É grande parte da herança cultural que compete à nossa geração conservar e transmitir às gerações futuras que, um século e meio depois dos dramáticos apelos de Alexandre Herculano e quase cem anos depois de políticas intervencionistas do Estado de salvaguarda dos Monumentos Nacionais ou do Património Cultural Público, se encontra afinal em grave risco desaparecer. E tudo isto, perante uma Administração Pública que para além de falida e incompetente se revela, sob os mais variados pretextos, cada vez mais permissiva. Quem pode responder, por exemplo, ao que se passa com a “conservação” das dezenas de monumentos nacionais e respectivos recheios patrimoniais, em boa hora ainda que nem sempre com a mesma qualidade, transformados pelo Estado em “Pousadas” e hoje praticamente vendidos (?) a um grupo privado? Foram devidamente acautelados e salvaguardados, nos respectivos contratos, os valores histórico-patrimoniais em causa?

Perante uma situação tão grave e de abandono tão generalizado dos bens públicos patrimoniais, o ambiente começa até a ser propício a situações que ainda há pouco nos pareceriam ficção. Afinal já pouco deve restar - os indícios estão já aí às portas da nossa própria cidade - para que, a exemplo do que se passa com o desbarato dos bens públicos em geral, para proveito sempre da mesma oligarquia conluiada com o poder (e de que tanto se tem falado ultimamente a propósito de “corrupção”), sob pretexto do da sua “recuperação e restauro” venhamos assistir, indignados mas impotentes, à apropriação privada e para fins especulativos, de bens histórico-culturais do domínio público.

in maisevora.blogspot.com



UM COMENTÁRIO


Primeira questão: As leis novas e o novo figurino de gestão do Património

Goste-se ou não se goste (para mim a questão não passa essencialmente por aí - ou não passaria, se esta gente soubesse o que anda a fazer), as fusões aconteceram. Ponto positivo: Conseguiu-se acabar com a situação DGEMN versus IPPAR, o que até agora fora quase impossível porque a DGEMN era um lobby poderoso. E não fazia sentido dois organismos em dois ministérios diferentes a fazer basicamente a mesma coisa, duplicando custos em inventários, a fazerem os dois obras, e a confundirem genericamente as entidades externas que não sabiam com quem tinham que lidar. O problema é que não se fez isto para racionalizar mas sim para poupar custos. Para além disso, na fase de formulação das leis, cada um puxou para o seu lado, logo o resultado final foi uma pessegada. Vejamos: o mal não era a DGEMN, considero é que faz muito mais sentido que estas questões se centralizem num único ministério – e que esse ministério seja o da Cultura, já agora. O IPA não era tão problemático, pois tinha funções mais definidas, embora espartilhasse um pouco o pensamento – ficavam de fora as questões de conservação e salvaguarda e creio que é preferível pensar o Património como um todo, desde a investigação até à apresentação dos sítios ao público. Mas, de qualquer forma, era menos problemático – embora, também no IPA, houvesse mais um inventário – e vão três!!!, com os gastos inerentes. A minha interpretação do que aconteceu é esta:
Decisão: fundir, descentralizar e poupar. Assim, cria-se um organismo: o IGESPAR, que fica a funcionar em Lisboa, e, nas regiões, pega-se nas antigas Delegações do Ministério da Cultura, com competências na área do apoio à criação cultural, dá-se-lhes as competências do património regionalizado e concretiza-se, se não uma regionalização, ao menos uma efectiva descentralização, criando as Direcções Regionais de Cultura. Até aqui, perfeito!

A dura e triste realidade: os lobbies agitam-se, sobretudo em Lisboa ninguém está contente. Do lado do IPPAR: «Isto é uma chatice, vamos perder poderes para as regiões, eles vão fazer asneiras, pois nós é que sabemos pensar e isso não pode ser! Mas o principal é perdermos poder, isso não nos interessa nada. Por outro lado, com este modelo, a estrutura do IPPAR não tem qualquer justificação, o IGESPAR deveria ser uma estrutura muito mais leve, até poderia nem ser um Instituto e ser apenas uma Direcção Geral, o que implicaria cortes drásticos de pessoal (não sei se eles se preocuparam com isso ou só com a perda de poder, mas o resultado é o mesmo). Por isso, vamos para uma lei que nos garanta todos os poderes que detínhamos, e o pessoal nas regiões fica lá a trabalhar, mas as decisões são sempre nossas». Ou seja, em vez de o IGESPAR se preocupar com funções de coordenação global, definindo orientações, estratégicas e normas a nível nacional e uma equitativa distribuição de verbas para serem aplicadas nas regiões, fica com o poder todo decisório e os assuntos e processos têm que ir todos ao IGESPAR para a decisão final. Com a agravante de se tratar, agora, de organismos distintos, tendo as chefias estatuto idêntico – os Directores Regionais e o Director do IGESPAR são todos Directores Gerais – mas em que as Direcções de Cultura dependem do Parecer do IGESPAR. Na prática e até ver, a independência nas regiões piorou, pois não há delegação de competências para as Direcções Regionais, como havia, para certos casos, entre o IPPAR central e as suas Direcções Regionais.

Do lado da DGEMN: «Isto é uma chatice, querem acabar connosco mas, pelo menos, não nos levam o inventário! Por isso, como uma parte das competências da DGEMN passa para o IHRU, o inventário vai connosco e é nossa a competência para o gerir! E o arquivo da DGEMN, no Forte de Sacavém, também fica connosco no IHRU». Logo, não sei o que vai acontecer a todos estes inventários que nós temos, mas supostamente será o IHRU que centralizará a questão do inventário – fora do Ministério da Cultura!

Em suma: produziu-se um híbrido, que não é uma coisa nem outra! Diz quem leu as leis, juristas incluídos, que elas não são passíveis de serem articuladas, mesmo com a maior das boas vontades, que é o que não existe. Conseguiu-se, assim, o MILAGRE de fazer uma descentralização em que o nível de autonomia regional foi brutalmente diminuído. Por outro lado, neste ano que passou até saírem as leis, em que já se sabia das fusões, ninguém fez contas dos custos que isso implicaria. Porque até se poderia poupar a médio prazo, mas havia custos à cabeça envolvidos. Nomeadamente, a nível dos sistemas informáticos. Por isso, ainda agora não se sabe lá muito bem o que vai acontecer com o sistema informático do IPPAR, partilhado pelas regiões. Neste momento, o IGESPAR tem os dois sistemas (do IPPAR e do IPA) a funcionar em paralelo lá dentro, não havendo articulação entre eles.
Um exemplo de funcionamento exemplar: Numa Direcção Regional de Cultura é dado um parecer de licenciamento sobre uma obra e recomenda-se acompanhamento arqueológico. O parecer é metido no sistema. O processo vai para o IGESPAR – secção ex-IPPAR – depois do parecer do Director de Serviços e do despacho do Director Regional de Cultura (que também são inseridos no sistema). O processo segue para o IGESPAR. A Direcção do IGESPAR dá parecer, e mete-o no sistema (este sistema pode ser consultado on line pelos requerentes). O processo volta para a Direcção Regional. Aí uma funcionária envia por fax para o IGESPAR – secção ex-IPA – o parecer, para eles saberem que a obra terá que ter acompanhamento arqueológico, parte que é o IGESPAR (ex-IPA) que acompanha –, pois o IGESPAR/ex-IPA não tem acesso ao sistema do IGESPAR/ex-IPPAR – que tal como SIMPLEX???

Segunda questão: as Direcções Regionais de Cultura

Primeiro problema: os Directores Regionais não vêm da área do Património, logo não possuem o lastro de um percurso desta instituição, nem das suas preocupações. O risco disto é que o Património corre o risco de se tornar uma lateralidade. Agora aqui entra o SIADAP. Objectivos para o serviço, que sejam exequíveis e possam ser cumpridos, senão o ónus recairá em primeiro lugar em cima dos directores. Por isso vamos lá estabelecer objectivos que possamos cumprir, com todas as limitações orçamentais existentes. O tempo para pensar já lá vai!

Assim, com objectivos parcos e sem dinheiro, quem tem tempo para se preocupar com o Património? Há que descartar-se de coisas, para reduzir a despesa pública. E, se nos descartarmos de coisas em número suficiente, também vamos descartar pessoas, reduzindo ainda mais a despesa pública - estamos sempre a ganhar!!

Por isso, creio que, neste momento, já ninguém pensa no Património como um todo. Valha-nos Deus que com as manobras lobbísticas o Património Arqueológico ficou até agora nas mãos do IGESPAR, por isso, para já ainda é visto como um todo, independentemente de estar ou não classificado, de estar ou não afecto. Até quando? Sim, porque as extensões do IPA dependem do IGESPAR e não das regiões. Faz sentido? Nenhum. Mas, se a forma de o encarar não transita ao mesmo tempo que as competências, a situação pode vir a ser grave.
Para já localmente, fica-se com o Património Arquitectónico da região, mas não para pensar nele como um todo. E se, ainda no IPPAR, se pensava pouco no Património não classificado (o que já era gravíssimo), agora teme-se que em termos de intervenção só se vá pensar no que está afecto às DRCs. O resto negoceia-se com as autarquias, transferindo para elas o ónus da questão.
Depois, há a parte de DGEMN, que fazia obras nos imóveis classificados mas não afectos ao Ministério da Cultura. Essa competência passou para as Direcções Regionais de Cultura, que não têm dinheiro para as fazer. Quando as muralhas começarem a cair em cima das casas e das pessoas, não apenas umas pedrinhas, que já caem, mas assim uns bons pedaços, talvez se altere a situação. Entretanto, tenta-se passar essa responsabilidade, também, para as autarquias, esperando-se que, entretanto, não se percam vidas pelo meio!
Em suma, uma das missões prioritárias das DRCs vai ser complicar a vida das pessoas, dando pareceres limitativos às suas obras. Que se dá em troca? Pouco “quase nada”.

Já se falou, aliás, por várias vezes, em passar a cobrar pareceres, mas ainda não houve coragem para levar isso por diante. Embora neste campo já haja situações gritantes, de que ninguém fala, por exemplo a questão do Direito de Preferência, que não é de agora, já vem do tempo do IPPAR. Sabem que, em Zonas de Protecção de imóveis, sempre que há compras e vendas de casas, as DRCs têm que se pronunciar sobre se querem exercer o direito de preferência (claro que não querem, não há dinheiro para nada, mas isso não interessa!)? E isso é cobrado às pessoas. É tão bom estes mecanismos para incentivar as pessoas a comprar casas em Centros Históricos é só benefícios! O que leva a novas interrogações: quando se fazem classificações e se delimitam Zonas Especiais de Protecção, o que se está a fazer: a proteger o património ou a gerar fontes de receita para o Ministérios da Cultura?

Em suma, sem dinheiro para intervir, com muito pouco para funcionar, como podem estes serviços ser, por um lado, exemplares e, por outro, manter a sua independência? (ainda havemos de ver os seus técnicos a pedir boleias às autarquias, a empreiteiros e a donos de obras, para irem dar os seus pareceres, que serão sempre isentos e descomprometidos!).

Terceira questão: as preocupações do Ministérios da Cultura

São as 7 maravilhas de Portugal, a exposição do Hermitage e a próxima exposição das filigranas do Hermitage! Quem pensa na capelinha de S. Bartolomeu com pintura do século XV e sem telhado??? A quem pode isso interessar???? Pensar o Património na sua envolvente???? Cartas e convenções internacionais sobre Património? Quem perderá tempo a lê-las????

in maisevora.blogspot.com

Sem comentários: