2008-05-01

Frango-tipo-leitão

Este post serve de resposta ao comentário do Paulo. Na verdade, também poderia ter chamado a isto “Para que serve uma Universidade?”, porque a politecnização da Universidade — que, concordo, também penso que será um dos primeiros (maus) efeitos de Bolonha… Se é que não será mesmo uma sua décimo-segundarização! — não me parece um desafio, mas um risco grave.

O passo seguinte será fazer emergir da "mole" das universidades-tipo-politécnico umas poucas eleitas. Enfim, ninguém inventa nada e estas soluções já estão vistas há muito noutras paragens, mesmo sem a pompa e circunstância do "processo de Bolonha".

Paradoxalmente, o resultado mais provável é que se mantenha a mesma divisão entre Politécnicos (i. é: Instituições de ensino superior COM carácter profissionalizante; os actuais Institutos Politécnicos, a que se juntarão nesse futuro mais ou menos próximo a maioria das Universidades) e verdadeiras Universidades (i. é: Instituições de ensino superior SEM carácter profissionalizante, e por isso com outro tipo de objectivos e preocupações; a que hoje chamamos Universidades, mas no tal futuro da "Europa de Bolonha" serão apenas uma parte destas, pelo que teremos que inventar-lhes outro nome — pessoalmente, já se vê, aposto em “grandes écoles”).

Poderia até tratar-se apenas de chutar a bola para canto a fim de ganhar algum tempo e recuperar a tranquilidade para resolver o verdadeiro problema da Universidade actual: que fazer para garantir a qualidade de um ensino (1) massificado e (2) em contexto de profunda contracção orçamental.

Então... Porque não gosto da solução?
Isto é, para além de, por princípio, ser avesso a chutar os problemas para canto.
Bom, por uma avaliação de riscos: à chegada desta Universidade-politécnica-de-Bolonha o que teremos ganho e perdido?

Perdemos democracia no acesso aos graus superiores do ensino, porque objectivamente, a população estudante das "grandes écoles" não reproduz a totalidade do espectro social. Ali não há "pobres"! Preocupa-me porque assim se acentua o desequilíbrio socio-económico.

Perdemos (continuaremos a perder!) investimento na formação (diferente de profissionalização), acantonada nas tais escolas de eleição, que terão mais meios por aluno, mas muito menos alunos do que a actual Universidade massificada e, por isso, menos volume bruto de investimento.
Já agora, temos uma ideia de quem serão estes poucos alunos? É conhecido, por exemplo, o caso paradigmático da classe política dirigente francesa cujos elementos (independentemente do partido a que pertençam) provêm em larga maioria de um mesmo curso parisiense de ciência política... Preocupa-me porque assim se reduz a diversidade societária!

Obviamente, também perdemos investimento público em investigação, não menos acantonada nos tais "pólos de excelência"... Soa-vos? É uma ideia antiga, já nos acenavam com isto nos idos do início da década de 90, quando começou o desinvestimento estrutural no ensino superior, à pala da sacrossanta autonomia universitária.
Só que "ojo"! Esta perda de investimento é tanto mais grave quanto nos movemos num país sem uma estrutura global dedicada à investigação com a pujança de um CNRS ou de um CSIC (emanados de Estados em que o investimento na investigação científica, se não é aposta fundamental no futuro, é pelo menos parte da afirmação nacional no presente) e onde (por isso e pela incipiência do mercado e da iniciativa privada) a Universidade se vê forçada a sustentar quase exclusivamente a olímpica chama da investigação.

Em suma: por mais molho que leve em cima, frango nunca será leitão. Nem o frango deve querer ser leitão. Arrisca-se é a deixar de ser um frango em condições... Ao mesmo tempo que arrasa o leitão de qualidade.
Eis o risco! Que seria muito mau, porque o bonito da vida é poder escolher.

Falta ainda uma outra parte da resposta ao Paulo. Chamar-lhe-ei “Acerca de uma acreditação profissional feita pelas Universidades…”, ou qualquer outra coisa do género.
Mas antes, gostaria de ouvir a opinião dos outros (e particularmente do Prof. Fabião, por ser um adepto de Bolonha e sobretudo por conhecer o “processo” por dentro e muito melhor do que eu) acerca destas questões relacionadas com o papel da Universidade e com o acesso à categoria profissional (de arqueólogo) na dita “Europa de Bolonha”.

9 comentários:

Anónimo disse...

No website do Ministério da Ciência e do Ensino Superior existem bastantes documentos sobre o Processo de Bolonha que estão à disposição de quem os queira consultar.

Bom, eu ainda não me pronunciei de forma explícita se sou ou não a favor desta transformação que agora observamos na estrutura curricular da formação superior em Portugal. É apenas e ainda uma impressão... mas começo a convencer-me que a Arqueologia que a Sociedade hoje quer não é exactamente a que o Miguel gostaria de ver ensinada e praticada. Ou, dito de outro modo e fazendo minhas algumas das palavras do Luiz Oosterbeek na sessão de Conímbriga do ciclo Arqueologia em Revista, a Sociedade não precisa da Arqueologia, mas sim de arqueólogos. Ou, ainda, traduzindo de outra forma, à Sociedade (==Mercado) pouco lhe importa a investigação arqueológica e pouco lhe importa o património arqueológico para além do que deve ser minimamente registado e/ou conservado devido a imposições da superestrutura jurídica.

Portanto, continuar a querer meter "à força" a investigação no meio desta história não será, com toda a certeza, a melhor estratégia para melhorar o panorama. De uma vez por todas, devemos deixar de considerar que todos os arqueólogos são investigadores e de que a formação académica se destina a produzir cientistas. A Arqueologia não é por si só uma Ciência, tal como nenhum domínio do Conhecimento o é. Tão pouco o conhecimento do património tem de ser necessariamente um conhecimento científico...

Se o objectivo principal da Academia foi alguma vez formar cientistas, esse objectivo há muito que foi substituído pela formação de indivíduos possuidores de competências para a vida, isto é, de diplomados numa determinada área de exercício de uma actividade profissional. Houve um ciclo de formações de amplo espectro que durou até aos anos 1980, seguindo-se um ciclo com licenciaturas especializada (às vezes, hiper-especializadas) que coincidiu com a abertura de novos pólos e com a massificação do acesso ao Ensino Superior. O que agora se verifica é um retorno às formações mais abrangentes, ainda que sob pressupostos algo distintos dos anteriores: o que se procura hoje é um sistema em que se privilegie a aquisição e o desenvolvimento de competências em detrimento da simples transmissão unívoca de conhecimentos.

Eu prefiro sem sombra de dúvidas um ensino com um cariz mais "profissionalizante", mais adequado e preparado para o mercado que existe, do que a manutenção de um sistema que tem a pretensão de criar "arqueólogos-cientistas". Porque o que se trata agora é de discutir e trabalhar para melhorar a formação dos futuros profissionais de arqueologia (e dos que já estão no mercado através de processos de formação pós-graduada académica e/ou profissional) que irão trabalhar num contexto cada vez mais competitivo, aberto e sem fronteiras. Será preciso dar-lhes ferramentas técnicas apropriadas para poderem singrar num mercado que não exige ciência mas sim competência na resolução dos seus problemas. Esta competência, na perspectiva do mercado, não se mede pela quantidade de elucubrações mais ou menos bem argumentadas: quem ganha será quem faça bons trabalhos a bom preço, quem resolva um problema imposto pela superestrutura jurídica com o mínimo de custos sociais, económicos e psicológicos.

O Processo de Bolonha está em marcha. A partir do ano lectivo de 2009-2010 todos os cursos em funcionamento terão que respeitar obrigatoriamente a legislação aprovada através dos Decretos-Lei nºs 42/2005, de 22 de Fevereiro, e 74/2006, de 24 de Março. Reafirmo: temos de trabalhar com o sistema de ensino superior na procura de modelos e soluções que, respeitando as regras gerais do jogo, busquem o aperfeiçoamento da formação académica de base. Porque, num futuro muito próximo, será esta a que conferirá a habilitação específica para o exercício da profissão de arqueólogo e não uma quase quimérica Ordem dos Arqueólogos ou a continuação da aberração que é a dupla certificação actualmente vigente, ainda mais quando muitas das vezes nem se saiba que critérios objectivos(??) se utilizam para aceitar ou recusar um candidato.

Num futuro muito próximo, o Estado terá de deixar de realizar acreditações profissionais individuais, pois trata-se de um sistema sem pés nem cabeça. As acreditações terão que passar a ser dadas a pessoas colectivas: a empresas e a centros de investigação. Nestes moldes, a certificação individual passará sempre pelo "crivo" de instituições públicas, privadas ou mistas que, sendo reconhecidas pelo Estado mediante a atribuição de um alvará de funcionamento temporário, se responsabilizarão directamente pela competência técnica e/ou científica dos seus colaboradores. Este modelo ainda necessita de muita reflexão e discussão, mas parece-me ser uma alternativa viável e alternativa a um esquema que, todos o sabemos muito bem, tem os seus dias contados.

Anónimo disse...

Apenas para corrigir uma aberração gramatical:

"Este modelo ainda necessita de muita reflexão e discussão, mas parece-me ser uma alternativa viável a um esquema que, todos o sabemos muito bem, tem os seus dias contados."

Anónimo disse...

A Arqueologia que eu quero.

Caro Paulo, seria preciso andar muito distraído e há muito tempo para me chocar com a evidência de que "a Arqueologia que a Sociedade hoje quer não é exactamente a que o Miguel gostaria de ver ensinada e praticada". Não é impressão, confirmo-to!
De resto, faço mesmo gala disso repetidas vezes. Só para citar uma Al-Madan escrita... no Low-cost!

Mas a palavrinha "sexual" na tua frase é... "hoje"!
Com efeito, já afirmei claramente nestes mesmos debates da Al-Madan que não me move a busca de panaceias para depois de amanhã, mas sim de soluções no médio / longo prazo.
Mesmo sendo uma citação meio estafada pelo uso a desuso, apetece-me voltar a Shaw, não por qualquer distúrbio de megalomania, mas simplesmente porque não devemos perder de vista o alcance dos nossos maiores: "Some men see things as they are and say why, I dream things that never were and say why not?". A inquietude é uma consequência de estarmos vivos.

Não estive em Conimbriga.
A citação do Luiz Oosterbeek a respeito da Sociedade, Arqueologia e arqueólogos (que não percebi!) intrigou-me o suficiente para finalmente vir ao blogue ouvir na íntegra o debate.
Devo dizer que, aí sim, tive um choque.
Nesse debate -- que vejo ter sido muito diferente dos outros (a que assisti quase na íntegra) -- ouvi posições diversas que penso gravosas para o futuro da Arqueologia e do património histórico-arqueológico em Portugal.
Vejo que ainda não estão sedimentados na Arqueologia portuguesa alguns conceitos que de tão básicos já quase deveriam ter caído no domínio público... "contexto", "dado científico", etc.
Aliás, parece-me que, salvos raros momentos de lucidez rapidamente diluídos no tom geral, a maior parte daquela discussão se fez um pouco na mais feliz abstração do que são (e mesmo do que devem ser!) a Arqueologia de prevenção e emergência e o processo de produção científica.
Pode ser que regresse a isto noutro dia, se tiver coragem. Mas ainda tenho em atraso o tal post da "acreditação pelas universidades". Não nos percamos.

Deixemos de parte a discussão que não cabe aqui sobre se isso da "sociedade", com o sentido que lhe atribuis, ainda existe.
Parece-me que os acontecimentos das últimas duas ou três décadas (para não ir mais longe) demonstram que não. Relembro, a respeito dessa "sociedade", o FMI do josé Mário Branco: "Não existe! Nunca aterrou na Portela coisa nenhuma!".
Agora, exista ou não exista, o que é muito grave é que a identifiques com o mercado.
E mais ainda, que o suposto facto de que "pouco importa a essa sociedade (=mercado) a investigação arqueológica e o património arqueológico para além do que deve ser minimamente registado e/ou conservado devido a imposições da superestrutura jurídica" justifique que nos devamos submeter ordeiramente a uma tal (agora sim!) IMPRESSÃO.
Serei muito claro: aceitar como manifestação da vontade social uma situação de facto, imposta conjunturalmente no ordenamento jurídico por um conjunto de interesses de cariz económico que num dado momento histórico controlam a "voz social", é uma capitulação inaceitável da parte de quem pretende ter uma intervenção societária.

Miguel

Francisco Sande Lemos disse...

A Arqueologia é uma Ciência, com objectivos e métodos próprios. Cada vez menos a sociedade está interessada em ruínas e mais nos métodos como se descobre e regista o passado.
Na Citânia de Briteiros, os visitantes gostam de apreciar as ruínas, mas, em Julho, quando chegavam ao alto da acrópole e viam as escavações em curso, demoravam aí mais tempo, observavam e colocavam questões, muitas vezes extremamente interessantes.
Considero muito urgente a ampliação do número de bolseiros de doutoramento e post-doutoramento, financiados pela FCT. Será decisivo para o futuro a médio e longo prazo da Arqueologia Portuguesa.

Anónimo disse...

"Deixemos de parte a discussão que não cabe aqui sobre se isso da "sociedade", com o sentido que lhe atribuis, ainda existe.
Parece-me que os acontecimentos das últimas duas ou três décadas (para não ir mais longe) demonstram que não. Relembro, a respeito dessa "sociedade", o FMI do josé Mário Branco: "Não existe! Nunca aterrou na Portela coisa nenhuma!".
Agora, exista ou não exista, o que é muito grave é que a identifiques com o mercado.
E mais ainda, que o suposto facto de que "pouco importa a essa sociedade (=mercado) a investigação arqueológica e o património arqueológico para além do que deve ser minimamente registado e/ou conservado devido a imposições da superestrutura jurídica" justifique que nos devamos submeter ordeiramente a uma tal (agora sim!) IMPRESSÃO."


Caro Miguel, nunca afirmei que devemos aceitar e submeter sem reflexão e crítica. Não é o que se passa aqui nem o que se pode interpretar das minhas palavras. Trata-se apenas de sugerir soluções (ainda a um nível muito macro!) para lidar com uma situação que existe e nos afecta neste tempo, não num futuro mais ou menos a prazo. Aliás, as acções que queremos ver realizadas a prazo necessitam que se comece a trabalhar nelas hoje mesmo!

Em segundo lugar, não acho que seja "muito grave" que identifique a sociedade com o mercado: é a leitura que faço do conteúdo deste conceitos quando analisados no contexto específico da utilidade da preservação do património arqueológico e do trabalho desempenhado pelos profissionais de arqueologia. Não está aqui em questão o conteúdo dos conceitos em termos absolutos: Sociedade e Mercado são, obviamente, entidades semânticas diferentes. Talvez tenha sido uma equiparação exagerada e abusiva, mas apenas queria realçar que o tempo que vivemos está muito mais determinado pela evolução dos interesses político-económicos que por uma “consciência social” global que produz e gere os rumos que a sociedade deve cumprir.

"Serei muito claro: aceitar como manifestação da vontade social uma situação de facto, imposta conjunturalmente no ordenamento jurídico por um conjunto de interesses de cariz económico que num dado momento histórico controlam a "voz social", é uma capitulação inaceitável da parte de quem pretende ter uma intervenção societária."

Mais uma vez, uma leitura apressada e, permite-me que o diga, algo deselegante na forma como foi exposta: aceitar trabalhar um determinado modelo de acção social, mesmo que este seja representativo dos tais “interesses de cariz económico” que controlam a sociedade, não é necessariamente uma capitulação. Não vejo porque razão não podemos defender este modelo ou aspectos do mesmo quando pensamos que existem fundamentos válidos para o fazer depois de ponderadas as vantagens e as desvantagens em comparação com o que temos agora. A liberdade de que eu disponho permite-me fazê-lo! E fá-lo-ei sempre que achar que há motivos para tal e me apetecer “perder” algum tempo a pensar.

Anónimo disse...

Lamento tudo o que possa ter sido interpretado como deselegância. Não houve disso a menor intencional.

Anónimo disse...

Questões de princípio.

Caro Paulo, deixando desde já claro tanto o meu pedido de desculpas em relação a qualquer mal-entendido anterior, como que obviamente isto não é nenhuma escalada, mas um debate de ideias, eis a segunda parte da minha resposta, que ontem ainda tinha ficado "a meio da cozedura".

Nalgumas coisas estamos de acordo.
Por exemplo, é claro que nem todos os arqueólogos fazem investigação e que nem toda a prática arqueológica reveste o carácter de investigação fundamental. Estou farto de levar na tromba por afirmar isto.
Porém, noutra(s) não podíamos divergir mais: desde logo, penso, de facto, que não podemos correr o risco de aceitar qualquer prática arqueológica (seja ela de natureza não imediatamente "investigação fundamental") desconexa da produção de conhecimento.

Agora, isto é diferente de dizer que a Universidade deve produzir cientistas.
Se isso se depreendia do meu texto (penso que não!), retiro-o.
Não tenho os cientistas por diletantes. A investigação científica é uma profissão, como outras do domínio da Arqueologia, e se alguma especificidade reveste é a de exigir um domínio particularmente rigoroso de métodos, técnicas e teoria. Ora, se a Universidade não prepara os seus estudantes para outras profissões, por maioria de razão também não para esta.
Ou, de outro modo: tal como dizes, a academia forma (leia-se: deve formar) competências; ao contrário do que dizes, essas competências não devem ser necessariamente profissionais. Estas adquirem-se noutros contextos.
Precisamos outra vez do malfadado exemplo do SIG.

É indispensável que produzamos bons técnicos de SIG. E por isto entenda-se: técnicos que conheçam não apenas os menuzinhos mais reconditos de quanto software existe, mas também a mecânica da coisa e a sua relevância específica para os problemas colocados no domínio da Arqueologia.
Depois, não é menos indispensável que a generalidade dos arqueólogos que dirigem projectos de qualquer natureza domine os conhecimentos "state of the art" que lhes permitem usar CRITERIOSAMENTE as ferramentas SIG. Esta utilização, porém, pode ser feita quer em contexto de investigação, quer de salvamento. Porque a utilização da ferramenta analítica não constitui em si o objectivo da investigação.
Finalmente, não é menos importante que se ensine Arqueologia espacial e o potencial das tecnologias SIG, até para produzir investigadores capazes de olhar criticamente para o presente destas ferramentas e reprogramar o futuro.
Eis um exemplo do âmbito da investigação aplicada, mas apenas por facilidade de exposição. Podiam citar-se outros similares no campo da investigação fundamental.
A questão é que estes três diferentes perfis não se constroem necessária, nem preferencialmente, no mesmo ambiente académico. E nem todos beneficiam particularmente de um ambiente "profissionalizante". Obviamente, não quero com isto dizer que os compartimentos sejam estanques, nem que enveredar por uma ou outra via de ensino deva corresponder a uma sentença vitalícia. Mas apenas que o ensino superior deve fornecer um leque de oportunidades e orientações tão diverso quanto possível.

É um pouco divertido que me reencontre outra vez com a diferença de perspectivas do início do post anterior. Não se trata de elucubrações mais ou menos bem argumentadas, mas sim de orientações pedagógicas distintas: criar competências (profissionais!) para resolver problemas conhecidos (eventualmente com soluções inovadoras); e criar competências (prospectivas) para reagir a todas as alterações supervenientes dos dados fundamentais desses problemas.
E talvez esta devesse ser a missão da Universidade: preparar o futuro(!), se não se limitasse tão frequentemente reproduzir o status quo, como alguém disse muito recentemente.
O que temos é que escolher o modelo de Universidade que sufragamos e ainda não estou seguro de que por baixo das belas roupagens de Bolonha não possam esconder-se noivas-estafermo.

Uma das contradições está em pensar que “um sistema que privilegie a aquisição e o desenvolvimento de competências em detrimento da simples transmissão unívoca de conhecimentos” constitui “um ensino com um cariz mais profissionalizante”. Não percebo e é este tipo de afirmações de intenções mais formais do que de conteúdo e em que tudo cabe que me diz “Cuidado Casimiro!”.
Antes de mais, analisemos quais as competências a ministrar, depois veremos se vão no caminho da profissionalização, do generalismo ou outro.

Sobretudo, parece-me um pouco paradoxal que proponhas que sejam as Universidades a fornecer aos actuais e futuros profissionais de Arqueologia as ditas ferramentas técnicas actualizadas que sem dúvida necessitarão "para poderem singrar num mercado que não exige ciência, mas sim competência na resolução dos seus problemas".
Se quiseres ver isto como uma solução a aplicar no imediato, é paradoxal porque as Universidades / Ensino superior obviamente não estão (como tu próprio dizes) apetrechadas com um conhecimento deste mercado que lhes permita avaliar as tais necessidades dos profissionais. Para percebê-lo bastaria ouvir o debate de Conimbriga, onde se defendeu que intervenções em contexto de salvamento podem (/devem) ser executadas por amadores e locais, sempre quando enquadrados por alguns profissionais.
Mas não é menos paradoxal propor isto como uma solução para o futuro: se as Universidades do "futuro de Bolonha" vão profissionalizar técnicos profissionais (que tu vês dicotomicamente com os "investigadores"), não vejo muito bem em que ambiente pretendes que possa criar-se a tal massa crítica da qual sempre saem (entre outros!) os investigadores prospectivos. A menos que esperemos que estes nasçam de geração espontânea… Ou que vão nascer a Badajoz.

O maior problema é que sem uma ligação à investigação, o salvamento não é sustentável a longo termo.
Esta é uma discussão muito actual também noutros países europeus, nomeadamente em França. Voltaremos a isto.

Também me assusta aceitar que "quem ganha será quem faça bons trabalhos a bom preço, quem resolva um problema imposto pela superestrutura jurídica com o mínimo de custos sociais, económicos e psicológicos", porque nas três variáveis que enuncias, só duas são objectivas e vigarão (de facto vingam já no momento actual): bom preço e resolver o “problema”; a restante (bons trabalhos) não só não é consensual, mesmo entre nós, como merece cada vez menos controlo e fiscalização. Tende, por isso, para a irrelevância.
Aliás, tudo isto seria muito bonito se os concursos que chegam quotidianamente às empresas não se resolvessem pelo critério exclusivo (expresso!) de “100% preço mais baixo”.
Não podemos assobiar para o ar e fingir que não vemos!

Se aceitarmos jogar este jogo, perderemos progressivamente o capital social de que ainda dispomos.
Sobretudo sabendo que o movimento actual da superestrutura é no sentido de impor cada vez menos “problemas”?
A seguir, como propões que se inverta esta tendência no futuro?
Não devemos aceitá-lo hoje, nem nunca.
É neste sentido que digo que a capitulação é inaceitável!

Não pretendia ser ofensivo ou deselegante.

Pois... Continua a faltar-nos a questão das famigeradas acreditações pelas Universidades (Desculpem lá, mas a ideia é peregrina e só posso conceber isto como um erro semântico).
Fica para outro post.

Anónimo disse...

Caro Miguel,

Desculpas aceites.

Isto começa a ficar muito longo para o espaço que é, correndo-se o risco de se tornar numa discussão entre dois pois mais ninguém terá a coragem ou a vontade de perder alguns minutos a ler tantas linhas. Mas é o que há e devemos aproveitar este espaço da melhor maneira.

Penso que seria melhor começar a pensar em distribuir os temas por posts independentes, caso contrário iremos desembocar numa "salganhada" em que ninguém se entende. Começámos com sindicatos, acreditações, formação e já vamos em dicotomias entre técnicos e investigadores...

Gostaria também de ler outras opiniões... Os restantes convidados deste foro estão quietos há demasiado tempo. Será que o ciclo de debates morreu no passado dia 5 de Abril e que esta tentativa de manter viva a discussão vai terminar como sempre terminam todas as iniciativas de abertura de espaços de intercâmbio de ideias no pequeno mundo da arqueologia portuguesa?

Anónimo disse...

A Universidade não tem que formar nem técnicos nem cientistas.
Tem que dar uma formação de base que englobe a arqueologia de emergência.
O arqueólogo quando começa a sua carreira (que devia começar como técnico)aprende da única maneira possivel, fazendo.
Depois de subir os primeiros patamares da carreira pode decidir se quer ser um director de escavação (das 8 às 5) ou se quer ser um cientista.
Em qualquer dos casos (na produção de conhecimento)deve sempre trabalhar com um professor universitário (até porque estes têm mais tempo livre).
Isto é o que se faz lá fora.
Cá, os professores universitários não sabem nem querem saber o que é arqueologia de emergência (logo não ensinam, ficam de fora de achados interessantes e não contribuem com o seu conhecimento).
Problemas da arqueologia portuguesa: narcisismo universitário e ganância empresarial (ainda não existe uma tabela de ordenados).
Que tal as empresas pagarem aos professores universitários para estes publicarem em conjunto com os directores de escavações de emergência (Jorge, Gonçalves,..., acordem para a vida).