2008-05-31

Tomar a nuvem por Juno

Diz o Miguel que é preciso não confundir as árvores com a floresta. Concordo plenamente: há árvores e árvores, há até florestas e florestas.

Olhemos para esta.

Por entre a mancha verde das fileiras, aqui e ali duas ou três sequóias gigantes avultam por sobre a demais vegetação, umas ainda viçosas e frondosas, outras de tronco recto e imponente, por fora, mas carcomidas pelo bicho, por dentro: são apenas copa e pouco mais, esqueletos de árvores outrora teluricamente enérgicas mas por onde escorre agora a custo a seiva, xilema e floema ancilosados, atacados que estão por excrescências supérfluas.

Quase todas as espécies deste ecossistema competem pelos mesmos recursos – as que o não fazem rapidamente passam a fertilizante das outras. O terreno onde medrar é escasso e há muita planta que escolhe crescer lá onde o solo foi mais remexido e escavado – afinal, para quê desbravar chão novo se já existe terra trabalhada e adubada cabonde? Poucas são as espécies colonizadoras e muitas as oportunistas, cada uma competindo pela luz, engrossando e alongando caules estéreis e esquecendo-se que o fim último da espécie é a frutificação e a disseminação da semente.

O grosso desta fileira é árvore de folha caduca. Vive onde calhou acertar a semente e só pede ao vento que não a abane muito e aos pardais que não lhe façam o ninho por detrás da orelha. Mais abaixo, as herbáceas clamam pelo abate das árvores de folha caduca enquanto que invejam os arbustos contíguos, que armam ao pingarelho e se dão ares de árvore matura e crescida.

Comensais ou parasitas, há amiúde trepadeiras que recobrem em maior ou menor extensão as árvores mais produtivas, vivendo à custa da luz, da humidade e dos nutrientes que estas lhes proporcionam. Por vezes, à tinta do castanho e à processionária juntam-se os fungos saprófitas e os pulgões, pragas que debilitam e matam o tecido vivo, bicharada que mais não faz do que, vivendo do sistema, tentar matar o sistema por dentro.

Por toda a parte abundam as videiras, planta que com pouco esforço ocupa latadas inteiras mas que aqui, nesta floresta, dá muitas vezes muita parra e pouca uva. Ao longe, nas margens deste biótipo, crescem algumas plantas exógenas e alógenas, indivíduos que fogem à norma vegetal, que não fazem a fotossíntese como mandam os manuais ou que procuram outras soluções para a eterna luta pelos nutrientes – marginalizadas pelo coração da floresta, é neste território que crescem as plantas carnívoras e as orquídeas, é aqui, nas margens, que a Natureza inova e se renova.

É também nesta floresta que algumas árvores de folha perene lobrigam os fogos que devastam a biomassa que as rodeia. Esbracejam e esbracejam, com os raminhos a adejar à brisa incendiária que as rodeia mas, sem ajuda, pouco podem fazer: presas à massa que as rodeia, enleadas no visco lorantáceo que aglutina há décadas umas árvores às outras, nerificam-se perante o fogo que avança, paulatino mas inexorável. São fogos malignos estes, que atacam em várias frentes e consomem há muito esta floresta. Umas vezes em fase de rescaldo, outras em braseiro ardente, não há como os ignorar nem esconder. Fazê-lo é deitar a perder toda biomassa existente, a boa e a má.

Infelizmente, para combater estes fogos só há um remédio: um corta-fogo, quiçá até um contra fogo. Há que unir fileiras e fazer o que há que ser feito, com os que estão e não com os que são mas não estão, sem rodriguinhos e sem ilusões, sob pena de olharmos para a floresta e não vermos senão cinzas e carvão.


Paulo Alexandre Monteiro

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