2008-05-31

Ainda a parte e o todo na Arqueologia portuguesa

O Miguel tem toda a razão com a mensagem sobre a parte e o todo da Arqueologia portuguesa (e não é a primeira vez que o faz com a profundidade e sensatez notadas por um dos seus leitores).
De facto, embora sejam geralmente amplificadas as situações negativas e prolifere a conversa de “escárnio e mal dizer” (com ou sem fundamentação), a verdade é que todos também conhecemos boas práticas, quer na área da interacção com as populações e da divulgação para o grande público, quer na investigação e divulgação científica, na conservação e valorização de sítios, na documentação e preservação de espólios, etc.
E não apenas de agora! Quem explore com objectividade e imparcialidade o percurso da disciplina e dos seus protagonistas (e não falo apenas dos “barões” e “baronesas”), principalmente nas últimas décadas, encontra certamente exemplos, e não tão poucos como isso. Simplesmente, não temos o hábito de os reconhecer em público (e, por vezes, nem em privado!).

Mas, para que consigamos “discriminar criticamente” e promover as “práticas positivas” de que fala o Miguel, para além de saber destrinçar cada “árvore” da “floresta”, precisamos também evitar cair na dicotomia maniqueísta entre boas e más “árvores”, entre “santos” e “pecadores” da prática arqueológica, como se sobre alguns de nós incidisse o sol radioso de um passado e presente sem mácula, e sobre outros recaísse o opróbrio da sistemática e irreparável má conduta.
Com raríssimas excepções, mesmo os muito bons profissionais terão tido os seus maus momentos, quer no plano estritamente profissional, quer no da interacção social, enquanto que os maus profissionais raramente o terão sido sempre.
É por isso que a erradicação das más práticas não pode ser sinónimo de perseguição pessoal, mesmo que não deixemos de “chamar os bois pelos nomes”, sem olhar a estatutos pessoais e contextos institucionais.

Só com frontalidade, mas no exercício um direito de crítica tão judicioso quanto ponderado, conseguiremos promover a qualidade e a valorização social da Arqueologia no contexto de um processo que, simultaneamente, fortaleça as “árvores” e a biodiversidade da “floresta”. E que proteja ambas do “fogo” de que fala o Paulo Monteiro, contra o qual também só vejo o remédio que ele preconiza: unidade na acção para fazer o que precisa ser feito, sem ilusões de grandes resultados no plano imediato, mas na certeza de que apenas assim poderemos melhorar a médio e longo prazo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tens toda a razão Jorge.
Aproveito para clarificar dois pontos em que não insisti para não me alongar demasiado, mas correspondem exactamente ao que eu penso:

1. Isto não é um mundo simplista de santos contra pecadores.
Num post anterior escrevi que penso que a maioria das tais más práticas resulta sobretudo das insuficiências de formação técnica e ética que referi nesse post e não de uma desonestidade efectiva. Só com isto, já se afasta na maioria dos casos o dolo.
Depois, como muito bem salientas (e eu não poderia estar mais de acordo com este ponto), obviamente que também não se trata de um confronto dos intrínsecamente bons contra os irredutivelmente maus. Por isso não falei de erradicar os maus agentes, mas sim de erradicar as más práticas! Sendo para mim claro que cada um de nós teve no passado e tem no presente (!) trabalhos mais conseguidos do que outros.
Em consequência, quando peço que se analise criticamente cada árvore, não pretendo chegar a uma classificação de bom ou mau, mas sim identificar em cada uma os aspectos bons (e favorecê-los) e os maus (e procurar criar as condições para que sejam alterados).
Não tenho nenhum problema em assumir que nem pessoalmente o Miguel Almeida, nem como grupo a Dryas Arqueologia são imaculados.
Temos talvez o mérito de, com mais ou menos resultados, tentar sempre melhorar: quer com uma perspectiva muito crítica dos trabalhos que vamos produzindo (todos os nossos arqueólogos poderão testemunhar desta exigência); quer olhando cuidadosamente para as "árvores" que estão ao nosso lado, para nelas identificar exemplos das tais boas práticas, que depois nos esforçamos por reproduzir.
Só neste processo de auto e inter-emulação os arqueólogos portugueses poderão inverter a espiral actual que, como concluí no meu post, não incentiva a qualidade.
Ah, e também estou de acordo numa outra coisa: se penso que este é o único caminho possível... Sei que será longo. Lembras-te do low-cost: esta reestruturação, já a perdemos. Importa agora criar as condições para ganhar a próxima!

2. Não menos importante: tal como tu, também não vejo a diversidade como negativa. Pelo contrário, é fundamental que se preserve a biodiversidade desta "floresta" porque o pool genético diversificado é a melhor garantia de futuro. A questão está em conhecer bem as variações genéticas e as suas implicações profundas para que possamos todos decidir criteriosamente qual a amplitude da variabilidade admissível.

Em suma, a minha insistência é para que não se continue nesta típica "a culpa é de todos e portanto... a culpa não é de ninguém" (curiosa esta tendência para evocar o José Mário Branco), mas, atenção(!), sem que se caia na tentação de uma cruzada de caça às bruxas.
Nenhum macarthismo produz nada de bom!