2008-02-27

Onde estamos: no 1º ou no 3º mundo ?

Infelizmente, por absoluta falta de tempo, não pude ainda participar neste blogue, como desejaria já ter feito. Todavia, não quero deixar de felicitar todos os participantes pela qualidade das reflexões que têm produzido.
O último texto do ACS é especialmente interessante pelo retrato, a meu ver fiel, que faz da triste situação por que passamos em matéria de estrutura central do Estado na área do Património Cultural.
Concordo inteiramente.
Mas surge-me a pergunta: de quem é a culpa ? Dos políticos de turno ? Do séquito que os rodeia ? Daqueles de nós que, como o ACS, aceitam jogar o jogo por dentro, ainda que rapidamente fiquem desiludidos ? Dos que, como eu talvez, procuramos ficar sempre por fora, na esperança de assim vermos melhor e mantermos uma liberdade porventura diletante ? Das classes corporativas no seu todo, neste caso dos arqueólogos em geral ?
Penso que a culpa é de todos e cada um, na sua medida. Mas é sobretudo uma culpa colectiva, de uma sociedade que, parafraseando Almada Negreiros, há muito inventou já todas as frases que a poderiam salvar… e que apenas falta ser salva.
Aquilo que nos falta é darmos o salto que nos habilite a passar do 3º para o 1º mundo.
Aquilo que nos falta é “sociedade civil”.
Não me resigno à fatalidade apregoada, entre outros, por Vasco Pulido Valente, quando diz que uma classe média autónoma e não subsídio-dependente sai cara, nunca a tivemos desde o século XIX e talvez nunca a tenhamos.
Não me resigno, mas reconheço que assim é.
Procuro manter algum espírito republicano. Penso que muito mais importante do que aproveitar as circunstâncias (o amigo do amigo, precariamente instalado no Poder) para tentar “fazer obra”, quer dizer, mudar as coisas por cima, muito mais importante do que isto, é combater para que se criem estruturas credíveis de partilha de poder.
Foi esta a linha de pensamento que levou a que durante anos tivesse lutado pela criação de um Conselho Superior de Arqueologia – o que nunca consegui, até porque a maior parte dos meus colegas arqueólogos sempre se dividiram em dois campos: os da sombra, aqueles que estão sempre à porta do poder, pressurosamente dispostos a sacrificarem-se pela causa pública; e os do sol, aqueles que confiam em vanguardas triunfantes, desde que se sejam as suas, e privilegiam o golpe (putch) como forma de transformação social. [curiosamente, aquilo que não conseguimos na arqueologia, quase viemos a conseguir nos museus, com a criação de um Conselho de Museus, que nunca funcionou porém, porque foi extinto antes de se ter reunido pela primeira vez].
… E assim chegámos aqui. Cabisbaixos e tristes, como antigamente. Com um poder político tão ou mais discricionário do que antigamente. Com obras de regime. Com um mundo virtual a girar em volta do poder e um mundo real que sentimos todos os dias… Enfim, tão terceiro-mundistas como antigamente.
Continuo a acreditar que a mudança é possível. Mas por baixo. Faz-nos falta um sobressalto cívico, que poderia talvez ser dado através de uma plataforma das associações do sector, plataforma destina basicamente a intervir junto do Governo, do Parlamento e dos Partidos Políticos para reclamar a efectiva constituição de instrumentos e órgãos de participação activa da sociedade na construção da políticas patrimoniais.
Pelo meu lado, estou disponível.

3 comentários:

Anónimo disse...

É tempo de atirar a toalha ao chão? É que a leitura deste blogue (e especialmente dos dois últimos posts) faz-me sentir assim, desanimado...
E contudo, a criação deste fórum, que é muito de louvar, deveria-me precisamente fazer sentir o contrário - ir à luta! Mas, que luta?
Os textos do blogue de Évora descrevem com exactidão o nó gordio kafkiano com que o Património em Portugal está atado. E sem fim à vista. A situação parece que só tende a agravar-se...
Assim, que fazer? Bem, discutir sem preconceitos, complexos e outros atavismos mas também sem muitas ilusões (como aqui se faz) é um começo.
Mas desconfio dos movimentos de massas ou de base alimentados pelos media quando alguém morrer (esperemos que nunca!) debaixo de um troço de muralha. Ainda há pouco tempo desmoronou-se um prédio inteiro na Baixinha de Coimbra; depois dos directos alguém ainda fala nisso? Não se pode ter Foz Côas todas as décadas...
Trabalhar por dentro do regime? Ou do sistema? Quando era mais novo também tinha essa ilusão. Desfez-se rapidamente...
Os amanhãs que cantam são agora difundidos por iPods, toques de telemóvel e SMS, capitalismo oblige...
Contudo, não queria tornar-me apenas num cínico empedernido ou niilista desconvicto.
Aqui estamos todos enfim, que fazer agora?
Eu gostava de poder continuar a "acreditar que a mudança é possível".
Uma plataforma de intervenção cívica talvez seja um caminho, mas teria de ser necessariamente alargada a todos que se interessam e gerem o Património, ou seja, arquitectos, arqueólogos, engenheiros, etc. Será isso possível? Ultrapassar diferenças de 'classes' (que, como sabemos e está explícito nos posts de Évora, concorreram grandemente para a situação actual) e ao mesmo tempo manter uma certa distância do poder político (no poder ou na oposição)?
Será que nós "arqueólogos" (sim, eu sei, como definição é redundante, pouco existimos como 'colectivo') poderemos iniciar tal "sobressalto"?
A ver vamos...
Pela minha parte também ao dispor na modesta dimensão do que possa contribuir.

António Batarda

JR disse...

Espero bem que não seja a sensação de desânimo a predominar depois da consulta a este espaço... Ele foi pensado e criado precisamente pelo contrário :)
Todos sabemos que o contexto não é bom, que subsistem problemas que não podem ser escamoteados, que é preciso falar deles para perceber causas e consequências.
Essa fase de diagnóstico é, por vezes, dolorosa, como algumas mensagens já começaram a revelar e os debates de Março e Abril talvez ilustrem melhor.
Mas valerá a pena se cada um de nós sair dela com ideias mais claras e, principalmente, se estas não servirem apenas para abrilhantar inconsequentes conversas de "escárnio e maldizer".
Por muitas ilusões que tenha perdido ao longo dos anos, outras certezas se foram consolidando: as transformações sociais e profissionais conquistam-se e, nesse processo, todos podem e devem ser agentes de mudança. Não adianta esperar que o "sistema" mude por si.
Se temos condições para o fazer enquanto grupo, não sei.
Mas a atitude individual de cada um de nós também é importante. Antes de mudar o mundo, precisamos saber como contribuir para mudar o espaço social em que nos inserimos. Ainda que seja só isso que consigamos, já não será mau.

Maria Jose de Almeida disse...

Atirar a toalha ao chão só no dia 6 de Abril se, depois de passarmos a arqueologia em revista recostados no divã que foi posto à nossa disposição, estivermos no mesmo sítio onde começámos.
Mas eu acho que isso não vai acontecer, quanto mais não seja porque ainda o primeiro debate não se realizou e já tenho a sensação de se ter avançado um bocadinho com as manifestações de disponibilidade em participar responsavelmente neste movimento de reflexão. O caminho a seguir será o da intervenção cívica alicerçada em propostas concretas que possam servir de alavanca à mudança.
Mudança que, recorde-se, começa em nós. Retomando o comentário anterior, talvez a melhor forma de mudar o mundo seja cada um dar um jeitinho no que lhe passa à porta.
Vamos começar este sábado?...