2008-02-21

Lançar pontes entre os Arqueólogos

Não é fácil congregar os arqueólogos, sobretudo quando está em causa a indispensável introspecção colectiva. Para lá de tudo o que quase sempre dividiu aqueles que se intitulavam ou reconheciam como tal, hoje é notória uma profunda clivagem geracional e o "Archport", enquanto tribuna aberta tem sido disso a principal testemunha. E não se trata apenas de uma clivagem de idades, mentalidades, experiências ou conhecimentos. Afinal, há de tudo em todos os estratos etários. A verdadeira e perigosa clivagem começa a revelar-se entre aqueles que ocuparam e se mantiveram nos postos de trabalho (na Administração, no Ensino ou nas autarquias, postos que é preciso lembrar, eram quase inexistentes há 20 anos) e os que, ano após ano de intenso e por vezes riquíssimo trabalho de campo, entremeado com mestrados e até doutoramentos, vêm como única perspectiva, ou mudarem rapidamente de profissão (e todos conhecemos casos...) ou continuarem a arriscar na insegurança e na precariedade, na esperança de que uma autarquia (no Estado ou numa Universidade, já nem pensar...) venha a abrir um qualquer concurso “limpo”. É verdade que o problema é hoje transversal a toda a sociedade e a quase todas as áreas profissionais, com raríssimas excepções. Mas se ficarmos à espera das mudanças de fundo na sociedade tal como hoje a conhecemos, bem podemos esperar sentados. Será que, apesar de tudo, ao nível da “classe” é possível forçar mudanças? As questões meramente profissionais estarão desligadas da atitude da Administração, relativamente à salvaguarda do património? Se é verdade que, aparentemente e durante algum tempo, no contexto das Humanidades, os arqueólogos pareciam ser os que melhores saídas encontravam (pelo menos havia “trabalho” pago...) todos temos consciência de que isso resultava das novas exigências e condicionantes impostas pela Administração no âmbito da Salvaguarda Preventiva e não de qualquer alteração cultural de fundo. Em contrapartida, a actual degradação profissional na Arqueologia não parece decorrer ainda do desmantelamento em curso da já de si reduzida capacidade fiscalizadora e reguladora do Estado, o que faz temer ainda mais pelo futuro próximo. Mas não haverá também culpa no cartório dos Arqueólogos? Não falo, apenas na concorrência desleal entre empresas ou na exploração selvagem do “arqueólogo pelo arqueólogo”. Que fizeram os arqueólogos, enquanto grupo, para de forma organizada e concertada, demonstrar à Comunidade, que o seu trabalho era social (e até economicamente) útil, e não apenas uma mera obrigação burocrática imposta aos particulares por um Estado que esquecia ou hipotecava o seu (nosso) próprio património? Não gritaram os arqueólogos, porventura, demasiadas vezes e em casos caricatos, que vinha lá o “lobo”, criando crescente insensibilidade às questões do Património, mesmo nos “media” mais ávidos de “sangue”? Há pois que aproveitar a oportunidade que a iniciativa proporcionada pelos sucessivos lançamentos da Almadan, ela própria um símbolo da capacidade de intervenção da sociedade civil em prol da cultura e do património, com a cumplicidade de uns tantos carolas e a colaboração de algumas instituições, para reflectir sobre a “crise” e, quem sabe, relançar pontes entre as diversas “arqueologias” que permitam construir uma unidade de acção, hoje mais do que nunca, indispensável para as lutas que se avizinham.

3 comentários:

Rui Luzes Cabral disse...

Parabéns pela criação de mais este espaço de debate, informação e partilha de ideias.

Já reparei que vou ficar na história deste blog pois escrevo aqui o seu primeiro comentário. Um Abraço RUI LUZES CABRAL http://lavoura.blogs.sapo.pt

Rui Luzes Cabral disse...

Ah! Esqueci-me de referir que sou da área da Conservação e Rstauro.

Joaquim Baptista disse...

Continuas lúcido como sempre "chefe" Silva. Eu qualquer dia também direi da minha justiça, da minha experiência, do que sinto e de como vejo esta nova geração de arqueólogos, sem chama nem entusiasmo, só aspirando a férias e a beneses (estou a referir-me aqueles que possuem os seus tachos certos), relegando a defesa do património para segundo plano. Já não existe o entusiasmo de outros tempos em que todos os momentos livres eram dedicados a trabalho de campo. A arqueologia estava acima de tudo. Hoje não. Para além de tudo isso há sobranceria. Como querem que o resto da sociedade os respeite?
Parab+ens por esta iniciativa, que cumpra pelo menos os serviços minimos.