2008-03-05

Um ponto de Ordem a propósito da lei 6/2008

A pedido de várias famílias, e porque muito se tem falado sobre a criação de uma Ordem de Arqueólogos e é recente a publicação de legislação sobre o assunto, deixo aqui algumas notas da minha leitura desse documento. Leitura de arqueóloga, é importante que se diga, que a leitura de jurista pode bem revelar matizes que a mim (a nós?) escapam por completo...

A partir de 13 de Fevereiro, a designação “Ordem” está reservada a associações públicas profissionais que correspondam a “profissões cujo exercício é condicionado à obtenção prévia de uma habilitação académica de licenciatura ou superior”.

E o que é (e não é) uma “Ordem”?

É uma “entidade pública de estrutura associativa representativa de uma profissão que deve, cumulativamente, ser sujeita ao controle do respectivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e deontológicas específicas e a um regime disciplinar autónomo.”

Nesta definição ficam desde logo estabelecidas as atribuições deste tipo de associação, ou seja, a sua acção é fundamentalmente na esfera da auto-regulação (acesso e exercício), da deontologia (e respectivo regime disciplinar) da “prossecução de fins de interesse público relacionados com a profissão”.

Mas também se diz aquilo que uma “Ordem” não pode fazer, nomeadamente “exercer ou participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros”, “estabelecer restrições à liberdade da profissão, nem infringir as regras da concorrência na prestação de serviços profissionais”, ou definir “numerus clausus no acesso à profissão, nem acreditação de cursos oficialmente reconhecidos”.

E como se constitui uma “Ordem”?

“As associações públicas profissionais são criadas por lei, ouvidas as associações representativas da profissão”. Para saber como é que se faz uma lei, nada como uma visita virtual à Assembleia da República.

Para os mais preguiçosos resumo: se não se convence um deputado / grupo parlamentar ou o governo a fazer um projecto-lei ou uma proposta de lei (respectivamente), por iniciativa dos cidadãos eleitores terá que haver um mínimo de 35.000 assinaturas.

A constituição de uma “Ordem” é “excepcional e visa a satisfação de necessidades específicas [...] quando a regulação da profissão envolver um interesse público de especial relevo que o Estado não deva prosseguir por si próprio.” Uma “Ordem” nova (?!) será “sempre precedida de um estudo elaborado por entidade de reconhecida independência e mérito sobre a sua necessidade em termos de realização do interesse público e sobre o seu impacte sobre a regulação da profissão em causa”.

Embora uma “Ordem” não esteja “sujeita a superintendência governamental”, a lei de criação “estabelece qual o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional”.

A “olho de arqueóloga”, parece-me ser isto o essencial da nova legislação.
Para já, aqui fica sem comentários meus (nem da presidente da APA), à espera dos vossos.

7 comentários:

Anónimo disse...

Já estou farto de ouvir todas estas coisas. Isto não leva a nada. Veja-se o descentralismo destas acções. Acho que se está a perder tempo. Trabalhem, sejam responsáveis e aceitem os colegas sem hipocrisia. Por fim cumpram com os deveres e com a ética e não façam como alguns arqueólogos municipais que só servem para dizer que não aparece nada para não atrasar as obras de quem lhes deu os tachos. Pensem nisso, se querem ser levados a sério. Quanto às empresas rpivadas de arqueologia não tenho a minima confiança.

Alexandre disse...

Será que é anonimamente que se quer ser levado igualmente a sério?

JR disse...

Não confiar nos arqueólogos municipais; não confiar nos arqueólogos das empresas; não confiar em...
Não "perder tempo" a pensar e a trocar argumentos; não "perder tempo" com "descentralismos".
Trabalhar e cumprir os deveres, sejam eles quais forem.
É com esta lógica argumentativa que queremos ser levados a sério?

Anónimo disse...

Pois aqui está um belo exemplo da tal "falta de maturidade" que grassa na nossa classe, que, por vezes (vezes demais, até!), raia o indecoroso...

Anónimo disse...

Voltando ao post, gostaria de sublinhar algumas questões que se me levantam relativamente ao que a Ordem permite (ou é permitido à Ordem) e alguns dos problemas que levam a que se aspire por ela.
Um primeiro aspecto que me saltou à vista é o seguinte: existe um discurso no meio académico que se inclina, com interesse próprio, para que o 1º ciclo não confira habilitação académica. A lei fala em “habilitação académica de licenciatura ou superior”. Ou seja, o º1 ciclo vai mesmo habilitar profissionalmente.
Poderá a Ordem, com a sua função reguladora de acesso, introduzir alguns “rituais de passagem” (tipo exame ou estágio)? Fiquei na dúvida. Seja como for, a formação de base mínima parece que será mesmo o 1º ciclo. Não se alterando a natureza da formação universitária, para se adaptar ao verdadeiro espírito de Bolonha, não prevejo bons resultados.
Fica claro que a Ordem não serve para regular as relações laborais, âmbito de um dos maiores conjuntos de problemas evocados nos debates públicos.
Também não resolve o problema da organização da Arqueologia na administração publica (outro dos grandes problemas).
Que problemas resolve então? Uma regulação do acesso por um organismo representativo da classe, o que poderá garantir maior coerência e transparência que o actual modelo (que nem sequer é modelo), mas onde fica a dúvida de poder compensar a degradação que se vai verificando no sector do ensino (que começa, diga-se, na primária).
Um código de comportamento profissional aplicável a todos e o respectivo poder de sansionar igualmente aplicável a todos. Resta saber se na prática funciona.
A possibilidade de existir uma voz que represente os arqueólogos no seu todo e que não interfere com identidades grupais internas, pois estas podem sempre organizar-se em associações.
Assim sendo, a Ordem pode ser útil, mas não resolve alguns graves problemas estruturais. Poderá, contudo, ser um passo importante para o tão necessário processo de maturação credibilização da classe.
Finalmente, a lei não diz, mas digo eu o que a Ordem não pode também ser: um forma corporativa de a classe se fechar sobre si própria.

Anónimo disse...

Quando me referia "que o 1º ciclo não confira habilitação académica" queria naturalmente referir-me a "habilatação profissionalizante"

Anónimo disse...

"habilitação"