2008-03-13

Duas precisões necessárias

Lidos os últimos contributos muito estimulantes do ACS e MA, entendo dever acrescentar algo mais ao que já escrevi antes neste blogue. Procurarei ser breve, conforme nos pede o anónimo que comenta um referidos dos textos.

Sociologia da profissão. Concordo com o MA, retomando aliás observação do ACS feita dias antes, que existe de facto um inquietante fosso geracional dentro da profissão de arqueólogo. Mas contrariamente ao MA penso que tal fosso é basicamente de natureza sociológica e não científica. Julgo também que é comum ao todo da sociedade portuguesa e estou em crer que se se fizesse a mesma pergunta a outros domínio profissionais, suportados em formações e saberes académicos e científicos, se encontraria a mesma situação, em maior ou menor grau. Os mestres da física, da química, da geologia, de geografia, etc. estão a reforçar-se, ou reformaram-se já, e os laboratórios e empresas vivem de jovens, submetidos a condições da mais extrema precariedade. E não julgo que ela seja menor do que a dos arqueólogos, que na sua grande maioria hoje trabalham enquadrados por projectos de “arqueologia sob contrato”. Aproveito para dizer que, ao contrário do ACS, creio que esta arqueologia atingiu já um mínimo de maturidade, pós-Côa, capaz de se auto-sustentar, até porque começa a ser comum ouvir-se dizer “cuidado com os arqueólogos” ou “façam já antes as sondagens e escavações necessárias” nos mais variados projectos que requerem legalmente algum tipo de avaliação ou acompanhamento arqueológico.
Decorre deste fosso geracional sociológico que não existem condições para que a profissão assuma em plenitude as suas responsabilidades sociais ? Penso que não. A menos que defendamos alguma espécie de mortificação especial para os arqueólogos.
Venha, pois, a Ordem, sendo evidentemente que ela não resolverá todos os problemas (desde logo não resolverá os problemas de natureza sindical). Será autoritária ? Será aquilo que quisermos que seja; provavelmente nem melhor, nem pior do que outras Ordens, algumas com tantas décadas e ultimamente tão agitadas internamente.

Papel do Estado na Arqueologia. Existe um equívoco fundamental na forma como o ACS aprecia a minha posição nesta matéria. É que ele continua prisioneiro da assimilação excessiva entre “Estado” e “Cultura”. Também eu penso que o Estado deve promover a investigação fundamental em arqueologia; mas não através da Cultura. Também eu penso que o Estado deve dar o exemplo na formação académica e se possível profissional; mas não através da Cultura. Também eu penso que o Estado deve ser exigente na planificação e uso do território (o mais finito dos bens, logo depois do tempo); mas não através da Cultura. Etc., etc. Aceito que, no quadro actual e talvez sempre, enquanto possamos antecipar, o centro de gravidade coordenador das políticas da Arqueologia esteja na Cultura. Para o efeito torna-se essencial e existência de um organismo de consulta credível e representativo como sempre defendi ser um Conselho Superior de Arqueologia. Aceito e defendo que a Cultura, no quadro actual, dê sinais, quer dizer, estimule, o desenvolvimento da arqueologia, mesmo em vertentes que lhe não dizem exclusivamente respeito. Dou dois exemplos: para apoio à investigação, a Cultura deve organizar e co-financiar um Plano Plurianual de Trabalhos de Campo, como já fez no passado, dando primazia aos projectos que revistam duplamente interesse científico e patrimonial. Para apoio ao desenvolvimento experimental de novas metodologias na área da Arqueociências, a Cultura deve estabelecer protocolos de apoio financeiro aos centros de investigação universitários que a tal se queiram candidatar.
Mas não se confunda “proporcionar que se faça” com “fazer”. Fazer mesmo, a Cultura o que tem de fazer é promover democraticamente (isto é, com a participação da chama “sociedade civil”) a legislação necessária; manter e actualizar em permanência os inventários patrimoniais; enquanto lhe couber, assegurar a fiscalização do território e da actividade arqueológica; e gerir os bens à sua guarda directa (imóveis ou móveis, guardados estes em museus). Há-de seguramente faltar-me algo mais, porque escrevo estas linhas ao correr da pena, como é próprio do meio comunicacional que uso. Duvido, porém, que sejam aspectos realmente importantes.
O ACS, que me conhece tão bem, sabe quem não sou liberal, que não defendo a retirada do Estado das suas funções sociais. Mas não vejo razão para que o Estado se deva comportar de forma autocrática, como tem sido crescentemente o caso; nem tão-pouco vejo vantagem em que nos resignemos ao afunilamento excessivo da arqueologia na Cultura, dentro do Estado. Não penso assim de hoje, nem de ontem. Os acontecimentos mais recentes, com o desmantelamento da estrutura operacional da Cultura, até ser atingido o actual non-sense, parecem dar-me, e dão-me, razão. Mas o meu ponto de vista é outro, mais estratégico: a organização do Estado deve servir e potenciar o desenvolvimento social; ora, hoje mais do que nunca, a arqueologia e os arqueólogos já não estão da Cultura; nem sequer dependem da Cultura, que deixou definitivamente de preencher as suas conversas do dia-a-dia. E é bom que o Estado entenda isto. Se torne mais democrático e se regorgnize.

2 comentários:

Anónimo disse...

Sou advertido que este meu texto possui pelo menos um lapso que distorce o seu conteúdo. Onde se lê "os mestres... estão a reforçar-se, ou reformaram-se já..." deve ler-se "os mestres... estão a reformar-se ou reformaram-se já".
Existem outros lapsos menores de grafia, que não importa corrigir. Este sim.

Unknown disse...

O grande problema da arqueologia portuguesa é o individualismo de uma geração que se agarrou ao poder.
Esta geração, que teve uma vida muito difícil e a quem devemos muito, não fez, nem faz escola.
Esta geração sente-se ameaçadada pelos miúdos que têm, de base, uma carreira na Arqueologia.
Estes miúdos são mais qualificados, dominam mais técnicas, trabalham em grupo, têm mais contactos com o estrangeiro, produzem mais, enfim, escavam e publicam mais, têm um papel mais próximo da sociedade.
Deixem estes miúdos trabalhar e trazer a Arqueologia para fora das universidades.
Façam escola, passem o testemunho, ajudem a melhorar a qualidade da nossa Arqueologia, em conjunto, lutem contra o vosso ego.