2008-06-14

Respice Prospice

Em mais um excelente (mas deprimente) diagnóstico do estado da Nação, Medina Carreira escreve hoje no Público que “é óbvia e imperiosa a necessidade de mudar muito no ensino, o nosso maior reprodutor de mediocridade e que está a ‘hipotecar´o futuro daqueles que finge promover; na formação passa-se quase o mesmo, fazendo-se crer na possibilidade de aprender em poucos meses aquilo que só se aprende em alguns anos”.

Nada do que afirma Medina carreira é novidade nem colide contra algumas opiniões que têm sido por aqui expressas. Por exemplo, o Jorge Raposo, referindo-se aos centros académicos onde se dispensa formação na área da arqueologia diz que é preciso que “quem neles obtém um qualquer grau saia bem formado, de todos os pontos de vista, e com as bases necessárias para vir a ser um bom profissional.”

Já o Miguel exige às entidades que fazem a formação dos futuros trabalhadores “muito mais eficácia na criação de competências efectivas” enquanto que para o António Valera um dos aspectos estruturais da situação da arqueologia em Portugal é, “seguramente, a questão da formação (a básica, a secundária e a superior)” já que sem “meios humanos qualificados, técnica, científica, intelectual e eticamente, não há sector que se desenvolva”.

Afinal, em que estado se encontra este sistema de ensino? Aprisionado na armadilha da educação para as massas e na ilusão de que basta dar acesso ao conhecimento a todos para que todos, imediatamente e sem excepção, o tomem como seu, o ensino em Portugal quis andar mais largo do que a própria passada. É que, também ele tolhido financeiramente e dependente da sua capacidade de atrair e fixar alunos para se capitalizar, emite de há vários anos para cá e nos mais diversos comprimentos de onda, o canto da sereia que seduz e alicia os mais incautos para os mais diversos cursos – de preferência, cursos que incorram em poucas despesas de operação e que permitam a entrada de umas boas dezenas de alunos para o corpo discente da instituição.

Vejamos o caso da Arqueologia. Todos os anos abrem cerca de 190 vagas para candidatos a um curso de licenciatura nesta área. Assim, em 2007 e contando com a segunda fase de acesso, entraram ao todo 201 novos alunos nas diversas academias que leccionam este curso (ou seu equiparado): Letras de Lisboa – 49; Minho – 21; Coimbra – 31; Nova de Lisboa – 38; Porto – 47; Tomar – 15. No futuro próximo, a estas vagas irão juntar-se as que a Universidade do Algarve irá criar com a abertura do seu novo curso do 1º ciclo.

Pergunta-se: há trabalho para todos estes licenciados? Tendo em conta o potencial arqueológico nacional, emerso e imerso, há trabalho para todos e para muitos mais, durante muitos e muitos anos.

Mas há emprego para todos estes licenciados? Não há, definitivamente. Há muito que acabou a miragem do pote de moedas de ouro no fim do arco-íris da licenciatura. Agora, ser-se doutor, engenheiro ou arquitecto já não dá bilhete de ingresso assegurado para uma vida de cornucópias, alcavalas, prebendas e benesses mil.

Então, se há trabalho, mas escasseia o emprego, que faz um recém-licenciado em arqueologia para ocupar/ganhar a vida? Não faz muito, até porque as alternativas também não são muitas. Candidatar-se a um emprego fora da área para a qual estudou é uma boa hipótese, quiçá a mais usual. Call-centers e vendas à comissão são os destinos quase que obrigatórios para quem finaliza um curso numa área não essencial e onde se permanece durante mais ou menos tempo, entre idas ao centro de desemprego e resposta a anúncios na área em que se formou.

Depois, há quem, geralmente apoiado por uma rede de segurança familiar bem estabelecida, opte por ingressar em estágios, quase sempre não remunerados, ou então prossiga os estudos, inscrevendo-se numa pós-graduação ou mestrado, depois num doutoramento e até, para os verdadeiros profissionais do estudo, em um ou mais pós-doutoramentos - o que, retirando ao mercado mais um desempregado e inserindo nele um estudante, melhora as estatísticas do Ministério do Trabalho sobre desemprego (por vezes, enquanto cumprem este percurso, alguns conseguem obter bolsas da FCT e ou de outra entidade qualquer, o que não só alivia um pouco a pressão sobre a família como também melhora as estatísticas de outro Ministério, o da Ciência).

Há também aqueles que ingressam no mercado de trabalho da área. Concorrem a um concurso de abertura de vaga para a Função Pública (uma autarquia é bom, se não puder ser, que seja nos serviços da tutela, mesmo a recibo verde que depois logo se vê) e, se forem mesmo bons, ou se conhecerem alguém que conhece alguém relevante - ou se tiverem mesmo muita sorte, conseguem entrar. Se não, vão saltando de escavação em escavação, de empresa em empresa, de acção de acompanhamento em acção de acompanhamento, um sacrifício aqui, um dinheirito que entra acolá, o que já é bem bom, porque o próximo não se sabe muito bem de onde virá ou, mais importante, se e quando virá.

De todos se espera que sejam técnicos perfeitos, logo à saída da Universidade. De preferência, querem-se com carta de condução, carta de marinheiro, com domínio perfeito sobre os mais diversos materiais que possam vir a encontrar, desde os bifaces até ao motor a vapor composto e de tripla expansão, falando francês, inglês, espanhol e alemão, estando à vontade tanto dentro de uma trincheira, ao sol do Alentejo, como a 30 metros de profundidade ou dentro de uma sala de apresentações de uma grande empresa, querem-se a trabalhar expeditamente em AutoCAD, CorelDRAW, Photoshop, Rhinoceros e Arcview, não tendo quaisquer problemas em utilizar uma Estação Total ou um equipamento de GPS acoplado ao programa SIG que se traga no portátil, sabendo automaticamente qual a melhor metodologia a aplicar em cada contexto com que se depara - querem-se, finalmente, com olhos de falcão a prospectar, mãos de cirurgião a escavar e a rapidez do Lucky Luke no produzir de relatórios inteligentes, concisos e inovadores sobre tudo o que investigou e estudou.

Ora, sendo o mundo o que é, e sendo os cursos de Arqueologia o que são, o que sai das Universidades é algo apenas remotamente parecido com o acima descrito. Em primeiro lugar, agora são apenas 3 anos. Ou melhor, são apenas 3 anos a que se retiram 10 meses para férias, feriados e demais interrupções. Depois, há que ter em conta que condensar grandes fatias da nossa história e pré-história em 25 ou 30 aulas deixará necessariamente algo de fora. Finalmente, dado o carácter eminentemente teórico da grande maioria destes cursos (como ficou dito acima, computadores, laboratórios, programas informáticos, as próprias prospecções e escavações, são tudo coisas para as quais o dinheiro não chega nas Universidades) o que fica de três anos de curso é uma quantidade de generalidades, avistamentos fugazes de artefactos que passaram de mão em mão num aula qualquer, conceitos pouco sedimentados e uma licenciatura que habilita o seu detentor a ingressar no mercado de trabalho.

Ora, é fazendo que o licenciado aprende. Melhor, o licenciado aprende vendo fazer – é aqui que entra essa figura fulcral que é o arqueólogo sénior, o patrono, o mestre que ensina ou deveria ensinar o que sabe a quem com ele escava ou prospecta. Todos sabemos como é esse patrono ou mestre: é aquele que olha para um caco com 2 por 3 mm e que, pelo cheiro, pela cor e pela textura , sabe logo se aquilo é da I idade do Ferro ou se é islâmico, é aquele que usa judiciosamente a picareta quando sabe que o que está a ver é camada de aterro e que usa apenas o pincel quando está numa camada potencialmente interessante, é o que identifica à primeira um murete de pedra como sendo parte de um fórum e não parte de um teatro.

É no mercado de trabalho e nas mais diversas escavações que o recém-licenciado adquire o saber-fazer. Portanto, esperar que sejam as Universidades a formar um técnico completo em apenas 3 anos (ou em 3+2, que é a tendência que se adivinha no horizonte) é ser-se ingénuo. As Universidades não estão nesta corrida para formar bons arqueólogos – as Universidades formam apenas licenciados em Arqueologia (o que não é o mesmo que dizer Arqueólogo) assim como concedem mestrados e doutoramentos não necessariamente a quem sabe mais sobre um determinado tema ou a quem encontrou um ponto em branco no conhecimento científico, mas sim a quem disponibilizou tempo e dinheiro para a sua conclusão. Porque uma coisa é o querer dos diversos Departamentos – que não duvido por um segundo ser o querer instilar excelência académica, científica e técnica nos seus alunos através do ensino que ministram – e outra coisa é a realidade do País, da sociedade e do Ensino que temos.

Cabe aos licenciados interessar-se, ler o que houver para ler, informar-se, intervir, procurar, indagar, preocupar-se, formar-se, ler mais ainda e praticar mais e mais, cada vez mais - eventualmente, serão cada vez mais melhores técnicos, com mais e mais valências, e passarão a ser eles os patronos, recipientes do saber que importa agora transmitir a quem vem de novo. Cabe às empresas, à tutela e às associações proporcionar oportunidades de formação e informação a estes interessados.

Só restam duas perguntas: ainda haverá gente suficiente, com conhecimento e vontade e disponibilidade para o partilhar? E ainda haverá quem dele queira partilhar?

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Alexandre,a seu post parece-me um pouco manipulador. Não creio que nenhuma das pessoas que citou (eu pelo menos não, seguramente)não saiba, até por experiência própria, que a formação de um arqueólogo (como em qualquer outra profissão) é uma formação que decorre ao longo da vida. Que um licenciado apenas está "introduzido" a uma área disciplinar / profissão e que será em contexto de trabalho que irá cimentar competências adequiridas e adequirir outras, nomeadamente mais práticas e concretas, relacionadas com os problemas do quotidiano do seu trabalho.
A sua ironia relativamente ao que se pede a um licenciado está, portanto, desjasustada.
O que se pede a um licenciado é que tenha competências básicas relativamente à disciplina. Que saiba de epistemologia (se quer particpar em processos de produção de conhecimento científico); que saiba expressar-se oral e por escrito (tão básico como saber utilizar o colherim); que conheça os pricipais métodos e as suas bases metodológicas (ou seja, saiba as razões de ser de cada procedimento); tenha uma cultura geral disciplinar adequada (ou seja, não pergunte quem é A. Leroi-Gourhan); que tenha capacidade de análise e sentido crítico bem treinados e os saiba utilizar de forma consistente; que esteja habituado a ler, a ler bastante, e domine os procedimentos técnicos mais básicos.
Naturalmente que tudo isto se apurará durante a vida, seja através de formação académica avançada, seja através do trabalho quotidiano. Por exemplo, defendo que, hoje em dia, só doutorados deveriam poder dirigir projectos d investigação (à imagem do que acontece na FCT), o que significa que sei que um licenciado e até um mestre não têm todas as competências necessárias (naturalmente isto não tem aplicação retroactiva).
Sei muito bem o que vale a experiência e que ela requere tempo e vivências. Aliás valorizo-a muito, por isso sempre achei uma falta generalizada de "inteligência social" a desvalorização que a actual sociedade faz dos mais velhos.
Agora se uma pessoa se acha habilitada (e é dada como tal pela academia, que até passa certificado de habilitação), o mínimo que se pode pedir é que de facto esteja de facto habilitada.
Mas o que acontece é que à entrada para a Universidade e à saida, as competências mínimas não estão preenchedidas por muitos. Por demais. Não fosse o mercado estar interessado em mediocridade, muita gente teria dificuldade em encontrar trabalho.
Para além disso, a crítica à mediocridade (em termos genéricos) da Universidade portuguesa não é de agora. Como já várias vezes sublinhei, já nos anos 30 e 40 Delfim Santos arrasava, de forma violenta, o conservadorismo universitário. O problema está agora agravado pelas condições económicas destes instituições. Mas isso não pode ser desculpa para não cumprirem, com qualidade, a sua função. Porque se for desculpa para a academia, então pode ser para toda a gente e as dificuldades financeiras passarão a justificar tudo. (Embora seja bom não esquecer que a função única da U não é formar para a profissição e que os cursos não se justificam apenas pela procura de profissionais - a ideia de que quem tira um curso numa área tem que trabalhar nessa área é um equívoco muito à portuguesa, soicedade ainda demasiado estática)
Quanto à sua última questão, no que pessoalmente me toca, creio já ter desmonstrado por infinitas vezes a minha disponibilidade para a partilha. Ao ponto de me acusarem de falar, escrever, comunicar demais. Acho que o problema é em parte o que refere: não há assim tantos interessados em conhecimento.

Alexandre disse...

Caro A. Valera, eu presumo saber que as pessoas que citei sabem que a formação de um arqueólogo é uma formação que decorre ao longo da vida. O que eu não sei é se alguns licenciados em arqueologia têm essa noção, a julgar por aquilo que alguns publicitam poder fazer quando se sabe, comprovadamente, que o não podem fazer - pelo menos em termos de boa prática arqueológica.

Dou como exemplo aqueles que indicam estar capacitados para fazer arqueologia subaquática quando a única valência nesse capítulo é o de possuírem é um curso de mergulho, nunca tendo trabalhado na área - é como se eu dissesse que, só por ter carta de condução e por tal me poder deslocar até uma necrópole romana que fica bem longe daqui, estou capacitado para intervir nela, produzindo conhecimento e minimizando ao máximo a perda de informação, quando afinal, a única coisa que eu sei desse período e desse contexto é aquilo que me ficou de duas cadeiras semestrais.

E porque é que não me sinto à vontade do romano? Porque não tenho tempo para o dominar. Porque nos tempos em que vivemos, com toda a informação que circula, com tantos locais a ser investigados e a produzir resultados, falta-me tempo e distância para absorver, assimilar e incorporar tudo aquilo que se escreve sobre o período romano– porque atrás de mim há prateleiras e prateleiras de livros à espera de serem lidos, numa luta diária que travo contra o tempo e o modo em como ele é ocupado, livros esses que lidam apenas com duas ou três temáticas e quase nenhum deles tem a ver com Roma e o seu Império.

É bibliografia que depois me obriga a ir ler outra bibliografia para poder descodificar a que li em primeiro lugar e essas que leio acabam por me fazer mudar os métodos e os procedimentos, o que me obriga a, por exemplo, procurar novas ferramentas informáticas que também elas obrigam a uma nova curva de aprendizagem. E sempre o tempo a constranger-me porque não é, humanamente possível (eu pelo menos não consigo) tocar em todos os períodos e reflectir sobre todas as problemáticas. Mesmo que trabalhasse em contexto urbano, acho que eventualmente teria que me decidir o que estudar, para o poder fazer com a consciência tranquila e a certeza de que dominaria o melhor que pudesse essa temática.

Ou seja, eu acho que cada vez mais caminhamos no sentido da especialização e, consequentemente, no sentido da multidisciplinaridade. Se sei, por exemplo, identificar ossos de animais domésticos ou domesticados, sei contudo que aquilo que eu sei sobre o assunto não é credível o suficiente para poder ir além de uma identificação sumária no terreno. Terei que, portanto, recorrer a um especialista nesse campo, tal como terei que recorrer a um especialista em identificação de madeiras ou a um especialista em cerâmica chinesa. Ora, se uma Universidade forma para a universalidade genérica e não para a especificidade e se não fornece aos alunos as competências básicas que referiste (com algumas delas a dever ter sido fornecidas anteriormente ao ingresso no Ensino Superior) então que devemos nós fazer desta Universidade que temos agora?

Anónimo disse...

Sermos exigentes e colaborantes nas práticas que tenham como objectivo o melhoramento efectivo do ensino universitário.
E sermos críticos, com fundamento.
Quanto à especialização, se lê o blog do NIA já terá notado que olha para ela como "um mal necessário". E, porque sendo necessário, é um mal, tem que ser controlada, minimizada.
A Licenciatura terá que fornecer uma formação essencialmente generalista. Mas generalidade não deve ser confundida com insuficiência. Pelo contrário, é talvez a formação mais essencial. É estrutural, pois é a partir dela que se orienta a especialização e é ela que garante a capacidade de, da árvore, podermos voltar sempre à floresta.
Já alguém afirmou que o especialista, o verdadeiro especialista, é um estúpido. Naturalmente, a violência da afirmação deve ser matizada pela compreensão da realidade que prentende sublinhar.
Daí que o primeiro ciclo seja muito importante, embora desconfie que as universidades, por questões financeiras, vão prestar mais atenção aos ciclos de especialização (2º e 3º).
Sem dúvida que, face à crescente necessidade de especialização (decorre do progressivo aprofundamento do conhecimento), a solução tem que ser um recurso cada vez maior à interdisciplinaridade e ao trabalho de equipa (como formas de restituir a totalidade). Contudo, cada um de nós, individualmente, deve preocupar-se em não deixar que a sua especialidade o enclausure, mantendo capacidades de generalização, ou seja, de síntese. Síntese, afinal o ponto de chegada e de partida dê todo o conhecimento.

PF disse...

A especialização deve ser uma eventual consequência do desenvolvimento da carreira profissional, não um fim em si mesmo e muito menos um objectivo da formação académica de base. Este foi um dos equívocos do ensino superior português dos anos 1990, quando, nos países de referência, a tendência já era de signo contrário. Embora esta situação não tenha afectado a Arqueologia, que sempre teve um cariz generalista (bem, no contexto deste domínio de formação), houve outras áreas que foram inundadas com centenas (milhares?) de "engenheiros da molécula X" e gestores de coisas muito específicas.

Por isso, apesar de ser um modelo que se pode criticar e melhorar, sobretudo nos seus aspectos menos "académicos", prefiro de longe a proposta de Bolonha porque sempre preferi o modelo britânico e norte-americano de ensino ao de inspiração "continental". Porque, quer queiramos quer não, no contexto sócio-económico actual (e no que vigorará nas próximas décadas) as oportunidades de trabalho (não de emprego, por este conceito está morto) serão para aqueles que tenham uma formação de "amplo espectro" que lhes conceda versatilidade e adaptabilidade.

Claro que haverá sempre lugar para a especialidade mas apenas nas carreiras de investigação (um nicho insignificante) e naquelas profissões em que a especialização acarrete um qualquer valor acrescentado que justifique o investimento e a perda da versatilidade e adaptabilidade. Contudo, não sei se a Arqueologia poderá suportar, no futuro, muitos especialistas a tempo inteiro, sobretudo na área da Arqueologia Preventiva.

Anónimo disse...

Como costumo dizer, sem com isso querer aderir a qualquer darwinismo social, o polivalente, o versátil, é o que sobrevive quando há crise e "alteração ambiental", enquanto que o especializado se apresenta mais vulnerável perante problemas na sua área de especialização. Até porque muitas especialidades são de tal modo atomistas, que a pouca gente interessam (para além da contribuição para a aventura do conhecimento humano), gerando dificuldades de saída profissional. De facto, é assim que funciona na natureza e é também assim um pouco em termos sociais.
Mas as dinâmicas do conhecimento e das suas aplicações sociais necessitam de especialização. O que digo é que esta não nos pode levar a perder polivalências, o que obriga a equilíbrios no investimento que fazemos na nossa formação e actividade.
Na Arqueologia e em meio empresarial sério, a especialização é necessária, mas a níveis de profundidade não tão grandes como, por exemplo, em medicina. Um arqueólogo especilizado confere uma competência importante à empresa nessa área específica, mas, como dificilmente haverá sempre trabalho nessa área, terá que ter competências generalistas que permitam que seja útil noutros trabalhos. Se vários arqueólogos de uma empresa tiverem competências generalistas e cada um a sua área de especialização, complementando-se, essa empresa estará a construir uma boa equipa, capaz de dar conta, com qualidade, dos mais variados problemas.
Claro que para isto é necessário que a empresa invista em estrutura, que tenha uma política de gestão e de formação orientada dos seus colaboradores permanentes (só a permanência justifica o investimento em formação), e que essa política tenha uma orientação técnica e científica adequada, ou seja, tenha pensamento e estratégia (seja política).
Naturalmente, na actual conjuntura do mundo empresarial português, estas políticas são cada vez mais difíceis de implementar. A estratégia até é a contrária: reduzir a estrutura ao mínimo e adequirir serviços ou então renovar permanentemente o corpo de colaboradores, onde a inexperiência vai substituindo a experiência. No limite, a empresa transforma-se em mera intermediária e invisível, sem programa de intervenção empresarial, social, profissional, cientifico, etc. A empresa reduz-se ao seu mínimo: gerar mais valias financeiras, deixando de ser projecto do que quer que seja.
E esta atitude empresarial, se legítima, é curta, muito curta. Na economia de mercado, aquele que é simplesmente intermediário, que não acrescenta algo, é, aos meus olhos, um personagem pouco simpático. Para mim, uma empresa é muito mais que uma forma de gerar dinheiro. Terá que ser um projecto de intrevenção social (na sua área de actuação), contribuindo com a sua acção para a mundança no sentido da afirmação, consolidação e excelência do sector onde actua. Naturalmente que para isso tem que ser economicamente viável e financeiramente interessante para os que nela investiram. Mas tem que ser mais que isso. Tem que ter Missão e esforçar-se por a concretizar (o que frequentemente significa lutar pelas condições que permitam essa concretização).