2008-06-12

Acreditação, Credenciação e Autorização

O repto da Jacinta acerca da acreditação das empresas serve-me de justificação para recuperar uma ideia antiga: um post sobre este tema das acreditações, credenciações e autorizações.
Na altura, a ideia nasceu de uma discussão aqui havida em que era claro que nem todos estávamos no mesmo comprimento de onda e que urgia clarificar os termos.
Façamos então antes de mais este ponto de ordem.

Importa não confundir a ACREDITAÇÃO DAS EMPRESAS (controlo prévio da sua capacidade para a realização de trabalhos de Arqueologia -- e quais tipos de trabalhos), com a CREDENCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS (controlo ainda prévio e genérico da capacidade individual para a realização de trabalhos de Arqueologia) e AUTORIZAÇÃO PARA INTERVENÇÕES CONCRETAS (controlo, sempre prévio, da adequação de um determinado plano de intervenção à execução de um trabalho arqueológico específico, sobre um sítio determinado).

Para lá do objectivo geral de preservação do património histórico-arqueológico, procurando evitar-se preventivamente que empresas e/ou arqueólogos sem condições materiais ou capacidade técnica provoquem perdas deste património, os valores e interesses protegidos por estes três tipos de fiscalização a priori são claramente distintos.
Simplificando um pouco:

- A CREDENCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS, vulgo "carteira profissional" visa antes de mais (1) proteger corporativamente a classe profissional dos arqueólogos, quer no seu interesse individual de garantir a exclusividade da execução de trabalhos de Arqueologia por técnicos especializados, quer (2) no seu interesse colectivo de proteger a imagem social da qualificação deste sector profissional, nomeadamente através da imposição de um código deontológico da profissão;

- A ACREDITAÇÃO DAS EMPRESAS visa: (1) proteger a segurança da actividade económica, garantindo aos diversos agentes económicos que as empresas acreditadas são capazes de executar um serviço para o qual se apresentam no mercado (dispondo para isso de meios materiais, financeiros, equipamento, meios humano e organização suficientes); e, no caso de se optar por um sistema de acreditações discriminantes (por período cronológico, por tipo de trabalho, etc.), (2) promover que os trabalhos de Arqueologia a realizar serão tendencialmente executados pelas equipas que são mais capazes para cada um dos ditos critérios discriminantes;

- Finalmente, a AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE INTERVENÇÕES ARQUEOLÓGICAS CONCRETAS visa sobretudo (1) proteger o interesse público da gestão correcta do património histórico-arqueológico do país, permitindo uma avaliação caso-a-caso quer da justificação da afectação daquele património, quer da adequação dos meios e métodos propostos pelo(s) responsável(/is) técnico(s) da futura intervenção.

Duas notas finais:
1. Obviamente, decorre dos objectivos e dos interesses a proteger por cada um dos mecanismos descritos que a acreditação das empresas e a autorização casuística dos trabalhos devem manter-se na esfera de decisão pública, enquanto a credenciação profissional dos arqueólogos deveria idealmente evoluir para uma estrutura associativa de cariz profissional.
2. Até hoje, revelámos uma incapacidade gritante de criar procedimentos administrativos e estruturas associativas capazes de acreditar empresas e credenciar arqueólogos. Não obstante, isto não significa que a necessidade destas credenciações e acreditações não exista. Em consequência, como solução de recurso, atribuímos ambas estas responsabilidades ao mecanismo da autorização casuística, por exemplo com o procedimento bastante híbrido da necessidade de um primeiro pedido ser apresentado em colaboração com um arqueólogo mais experimentado. Estas soluções, que têm uma data e uma justificação conjuntural clara, estavam a médio prazo votadas a um fracasso inelutável.
Devemos hoje avançar no sentido de institucionalizar aqueles outros procedimentos de forma cristalina.

Em resumo:
1. não penso haver qualquer sobreposição entre credenciação profissional, acreditação de empresas e autorização de intervenção; e
2. em minha opinião, no momento actual da Arqueologia portuguesa, todos os três mecanismos são indispensáveis.

Aliás, tudo isto me parece bastante consensual.
Por isso, espero que este post sirva sobretudo para nos recentrar em discussões de conteúdo, em vez de prosseguir com os desparrames e desperdícios de energia que aqui tenho presenciado recentemente.
E com tudo isto, o texto já vai longo para começarmos com ideias sobre como fazer a acreditação de empresas. A questão é das mais complexas a resolver na Arqueologia de salvamento em Portugal e as opções que fizermos a este respeito num futuro próximo / médio condicionarão a realidade da Arqueologia nacional por muitos e bons anos.
Fica para a próxima.

16 comentários:

Alexandre disse...

Há algo que gostava de esclarecer: vamos imaginar que uma intervenção
que está a ser efectuada por uma empresa, no âmbito de um concurso
que ganhou, corre mal e há destruição de património e consequente responsabilização cível e/ou criminal. Com o presente sistema, quem é que responde em sede de tribunal?

A empresa?

O arqueólogo que estava presente?

O arqueólogo que é o coordenador científico da acção?

Anónimo disse...

Actualmente: o arqueólogo que assinou o PATA.
O problema que existe é evidente e várias situações complicadas de resolver podem ocorrer. Alguns exemplos:
a)Uma empresa tem uma relação contratualizada com um promotor; mas quem tem autorização é exclusivamente o arqueólogo (que poderá nem pertencer aos quadros da empresa) - se o promotor quiser mudar de empresa terá que depender da anuência do arqueólogo (que detém a autorização para a realização do trabalho).
b) Se o arqueólogo tiver um mau desempenho, a substituição deste pela empresa na direcção fica dependente da sua anuência, sem a qual a tutela não transfere a autorização para outro. (pelo menos era este o procedimento).
c) as empresas não podem ser responsabilizadas juridicamente por algo de menos bom que ocorra.
Mas poderíamos imaginar mais situações problemáticas.
Há cerca de oito anos, numa reunião em Conimbriga, lembro-me de defender a necessidade da responsabilização das empresas ao nível das autorizações concedidas. Caiu o Carmo e a Trindade. Era o que faltava, disseram alguns dos que hoje defendem a medida. Outros tempos. Pena que as coisas tenham tido que chegar ao ponto que chegaram para que o óbvio se tornasse óbvio. Creio que alguns problemas que hoje existem teriam sido evitados ou pelo menos minimizados.

Por isso, concordo plenamente com a sistematização feita por MA. Apenas lhe acrescentaria, na justificação da autorização de intervenções concretas, algo que desse mais relevo à questão científica, que é obrigação suficientemente importante para não aparecer diluída no interesse público ou na gestão patrimonial.

Jacinta Bugalhão disse...

Concordo no essencial com o post do Miguel. Relativamente à pergunta do Alexandre, não concordo com a resposta do António Valera.
Senão vejamos: no presente enquadramento legal, a responsabilidade de um trabalho arqueológico é do arqueólogo(s/as) que foi autorizado a realizá-lo. Esta é uma responsabilidade técnica e científica e implica o cumprimento de obrigações que estão expressas na Lei e do ponto de vista formal (entrega de relatórios, publicação, depósito do espólio, etc), cabe ao Estado verificar se essas obrigações são cumpridas e, caso não sejam, sancionar o arqueólogo.
Se o trabalho arqueológico é realizado com a adequada qualidade técnica e científica; se o arqueólogo tomou as melhores opções estratégicas e metodológicas, durante a intervenção, se o rentabilizou da melhor e máxima forma a recolha de informação naquela intervenção arqueológica; já cabe á comunidade arqueológica, no âmbito da crítica e discussão científica avaliar. O Estado é regular e fiscalizador, mas não é (na minha opinião, não deve ser) uma entidade suprema na avaliação de mérito científico.

Agora, nada disto é responsabilidade criminal.
A Lei diz que destruir vestígios arqueológicos deliberadamente é crime. Para haver crime, é necessário que em Tribunal se prove: 1. a destruição de vestígios; 2. a intenção deliberada, ou dolo. Na minha opinião estas disposições legais carecem de clarificação e regulamentação. Pois o que se verifica na prática é que tem sido praticamente impossível provar em tribunal a existência de dolo. Logo ninguém é condenado…
Mas destes processos, que está no banco dos réus não é, tanto quanto é do meu conhecimento o arqueólogo ou a empresa de arqueologia (não conheço nenhum caso), mas sim outras entidades que praticaram a destruição.
Eventualmente, poder-se-ia colocar a questão da negligência (aplicada em certos casos, a arqueólogos). Mas tanto quanto sei (não sou jurista), isso também implicaria regulamentação específica. Mesmo que em teoria essa possibilidade exista (com recurso ao Código Penal), na prática não temos instrumentos jurídicos para recorrer a essa figura. Também não conheço nenhum caso em tribunal com acusação de destruição de vestígios arqueológicos por negligência (pois se nem conseguimos provar o dolo, quando ele é por vezes tão evidente, quanto mais a negligência).

Resumindo, o arqueólogo é responsável, mas não é do ponto de vista criminal: é do ponto de vista regulamentar, técnico, científico, ético e social. Os tribunais, em princípio, não são para aqui chamados.

Anónimo disse...

Muito boa discussão. Já não passo um dia sem visitar o blogue, tenho aprendido imenso com todos. A entrada da Jacinta Bugalhão tem clarificado muita coisa que me fazia confusão. Admito que a minha raiva inicial está-se a diluir aos poucos dadas algumas ideias que assimilei, só falta alguém ter coragem para meter muitas destas ideias no papel para melhorar as condições dos profissionais da área.

Em relação a esta questão da responsabilização gostaria de perguntar o seguinte: Existem consequências criminais para o arqueólogo que apoia uma obra no caso de má identificação de achado? Por exemplo andam máquinas a mover terras e parecem ossos, o arqueólogo manda avançar pois parecem ossos animais recentes, destrói-se quase tudo e no fim afinal era uma necrópole da idade do ferro, como ficamos? Como exemplo, se um médico tira o rim esquerdo quando o mal está claramente no fígado vai a tribunal. É absolvido dado o corporativismo dessa classe mas não se escapa de ser arguido e posteriormente réu. Também no médico não há dolo, mas sim má decisão científica à semelhança do arqueólogo. Não sei até que ponto este pensamento é coerente, espero ter deixado clara a minha dúvida.

Anónimo disse...

Aparentemente, o desacordo da JB reside na minha utilização do termo "juridicamente". Não querendo aprofundar um debate em torno das questões jurídicas, onde não sou especialista, sempre pergunto: o arqueólogo que aqui afirmou ter destruído (ou qualquer coisa no género) praticou ou não um crime? Afinal, não foi negligência, foi um acto consciente. Se praticou um crime (e eu penso que sim, pois se um qualquer outro o fizer está a praticar crime, como justamente refere JB) e foi induzido a isso por pressão da empresa, esta pode ser criniminalmente responsabilizada? Talvez, como autentora moral do dito. Mas o certo é que não apresenta qualquer ligação directa à responsabilidade de adequada execussão do trabalho (o que até lhe facilita a pressão).

Anónimo disse...

Relativamente ao anónimo 14.03, diria que assim já é possível conversar. O problema que coloca já o venho denunciando há muito: se uma ponte cai há pedido de responsabilidades; se alguém morre em resultado de negligência médica também (embora, neste país, a Justiça acabe quase sempre por declarar solteiras as culpas - ainda ontem se anunciavam mais duas absolvições de negligência médica a juntar a tantas outras e raríssimas - se algumas - condenações).
Agora há que perguntar porque é que isto acontece. E a resposta é desvalorização social e individual da Arqueologia e do Património Arqueológico. Um erro como o que descreveu apenas geraria alguns comentários de corredor. A haver maior responsabilização social, pública, talvez o Estado ou organismos profissionais (mesmo associativos) se empenhassem mais em agir (mesmo que apenas dentro de esquemas regulamentares). Sentido-se mais responsabilizados pelas consequências do seu trabalho, talvez muitos arqueólogos não se aventurassem a assumir certos trabalhos, talvez algumas empresas (se responsabilizáveis) procurassem sobretudo os arqueólogos que dão garantias de saberem o que estão a fazer em cada caso concreto, talvez com isso muitos jovens arqueólogos tivessem que ser obrigados a melhorar a sua capacidade técnico científica para encontrarem emprego, talvez as condições laborais fossem melhores. Ou seja, a valorização social e individual da actividade gera exigência e qualidade e atrela melhores condições de trabalho.
Mas a quem interessa que por esta ou aquela razão, mais consciente ou inconsciente, património arqueológico seja mal intervencionado? Intervencionado sob meras perspectivas tecnocrátivas e sem enquadramentos científicos adequados? De momento, a muito pouca gente. Por isso é urgente trabalhar nessa valorização social (trabalho sem resultados no curto prazo, é bom de ver) fora da comunidade arqueológica e esta valorização depende muito da credibilidade da imagem que os arqueólogos conseguirem transmitir sobre si próprios e do seu trabalho.

Miguel Almeida disse...

Alexandre disse...
Com o presente sistema, quem é que responde em sede de tribunal? A empresa? O arqueólogo que estava presente? O

arqueólogo que é o coordenador científico da acção?

A. Valera disse...
Actualmente: o arqueólogo que assinou o PATA.
O problema que existe é evidente e várias situações complicadas de resolver podem ocorrer. Alguns exemplos:
a)Uma empresa tem uma relação contratualizada com um promotor; mas quem tem autorização é exclusivamente o arqueólogo

(que poderá nem pertencer aos quadros da empresa) - se o promotor quiser mudar de empresa terá que depender da anuência

do arqueólogo (que detém a autorização para a realização do trabalho).
b) Se o arqueólogo tiver um mau desempenho, a substituição deste pela empresa na direcção fica dependente da sua

anuência, sem a qual a tutela não transfere a autorização para outro. (pelo menos era este o procedimento).
c) as empresas não podem ser responsabilizadas juridicamente por algo de menos bom que ocorra.
Mas poderíamos imaginar mais situações problemáticas.
Há cerca de oito anos, numa reunião em Conimbriga, lembro-me de defender a necessidade da responsabilização das empresas

ao nível das autorizações concedidas. Caiu o Carmo e a Trindade. Era o que faltava, disseram alguns dos que hoje

defendem a medida. Outros tempos. Pena que as coisas tenham tido que chegar ao ponto que chegaram para que o óbvio se

tornasse óbvio. Creio que alguns problemas que hoje existem teriam sido evitados ou pelo menos minimizados.

Por isso, concordo plenamente com a sistematização feita por MA. Apenas lhe acrescentaria, na justificação da

autorização de intervenções concretas, algo que desse mais relevo à questão científica, que é obrigação suficientemente

importante para não aparecer diluída no interesse público ou na gestão patrimonial.

12 Junho, 2008 09:50

Quem responde?
No momento presente, penso que não há quaisquer dúvidas: apenas o(s) arqueólogo(s) responsável(/is), titular(es) da

autorização.
A "empresa de Arqueologia" é uma entidade inexistente na legislação específica do património em Portugal.
Aliás, nota colateral ao objectivo de fundo deste comentário, também não está tipificado em sítio nenhum de documento

normativo algum a figura de "coordenador científico". Talvez devesse estar; na Dryas, por exemplo, instituí-mo-la, em

sede de Regulamento interno, imposto a todos os colaboradores da empresa. Mas não tem expressão legal. Não existe na

lei, e portanto não pode ser oponível a terceiros.

Voltemos à vaca fria.
A questão de fundo é que a realização de uma intervenção de Arqueologia (centremo-nos numa intervenção de prevenção ou

emergência) provoca um conjunto de relações (sociais, económicas, etc.) que envolvem um quadrilátero formado pelo

Estado, o promotor, a empresa de Arqueologia e o arqueólogo responsável.
Obviamente, o Direito -- que existe para regular os conflitos de interesses que se geram no âmbito deste tipo de

relações em sociedade -- deve responder com um ordenamento específico de cada uma das relações do dito quadrilátero.
Isto acontece no presente? Não totalmente.

Com efeito:
- a relação entre o Estado português e o promotor dos trabalhos está (quiçá insuficientemente) regulada na legislação do

património e noutros diplomas legais relevantes para o caso;
- a relação do Estado com o arqueólogo responsável também está tipificada, no regulamento dos trabalhos arqueológicos;
- a relação do promotor com a empresa de Arqueologia resolve-se por um contrato de direito privado, que existe em todos

os casos, quanto mais não seja através de um mero contrato verbal;
- a relação entre a empresa e o arqueólogo também está (ou deve estar!) sempre regida por um contrato entre as duas

partes, seja este um contrato de trabalho ou de prestação de serviços;
- e, por fim, as questões relativas à relação entre o promotor e o arqueólogo responsável, também deverão estar

reguladas através de mecanismos jurídicos de transferência de direitos e deveres expressos no contrato entre a empresa e

o dito arqueólogo.

Trata-se portanto de uma teia de relações jurídicas que mais não fazem do que traduzir e regular as situações de facto

que existem na sociedade em torno da nossa tal intervenção de Arqueologia preventiva.
Ora, qual é a falha nesta teia de relações da situação DE DIREITO actulamente vigente?
Obviamente, a ausência total de regulação dos direitos e obrigações mútuos que resultam da relação que se estabelece DE

FACTO entre o Estado e a empresa de Arqueologia provocada pela tal intervenção de Arqueologia.
E para esta relação entre o Estado e a Empresa de Arqueologia é que o ordenamento jurídico actual não apresenta nenhuma

solução possível. Esta ausência de regulação específica da relação entre o Estado e a empresa determina quase uma zona

de não-direito (muito acertadamente chamada pelso nossos amigos romanos de "inius") à qual no presente não podemos

reagir, excepto através do recurso aos normativos muito genéricos da legislação geral do património cultural, ou ainda

mais gerais do código civil.
Mas estes são recursos escassos e muito inadequados para tentar regular a actividade de sujeitos tão activos e

tecnicamente responsáveis nesta área como são as empresas de Arqueologia.

Ora, esta falha tem resultado em dois efeitos muito perniciosos para a salvaguarda do património arqueológico: uma

situação DE FACTO e uma situação DE DIREITO.

DE DIREITO, não havendo legislação específica, torna-se difícil, ou quase impossível sancionar eventuais práticas

reprováveis da parte das empresas.
Isto é: em relação aos cidadãos em geral, justifica-se que apenas se sancionem situações dolosas, de destruição

intencional do património, porque não podemos exigir que o sr. Manuel da Vinha reconheça um micrólito geométrico no

momento da lavra da sua leira. Pelo contrário, no caso dos agentes profissionais (e isto aplica-se tanto a empresas como

aos próprios arqueólogos, para os quais também não existem preceitos normativos específicos), não chega sancionar o

dolo. A estes devem ser assacadas também responsabilidades técnicas e deontológicas.

DE FACTO, este vazio legal tem permitido a algumas das "empresas menos institucionalizadas" (para voltar a utilizar um

eufemismo que já aqui expliquei) uma prática arqueológica sem grandes preocupações de qualidade uma vez que não lhes são

Alexandre disse...

Ou seja, traduzindo por miúdos, sempre que o arqueólogo não for proprietário, co-proprietário ou sócio gerente de uma "empresa de arqueologia", esta mais não é do que um mero intermediário entre o Promotor, que é quem paga uma intervenção arqueológica preventiva, e o arqueólogo que é quem a executa e é em quem o Estado, através da tutela, delega a sua (do Estado) responsabilidade em zelar, cuidar, investigar, estudar, acautelar, etc. o Património Cultural. Ou percebi mal?

É, no mínimo, kafkiano, para não dizer escandaloso. Poder-se-ia começar por aqui a discussão trazida à liça pela Jacinta. Eu, desde já, faço minhas as palavras do A. Valera.

Anónimo disse...

Não simplifiquemos Alexandre. Você colocou a questão da responsabilidade legal. Mas há outras, como a ética, a científica, a técnica, a das condições de trabalho, a das boas práticas, a da formação, a do retorno social e científico, a da intervenção nas questões profissionais, etc. E nestas responsabilidades, embora a pressão para o nivelamento por baixo seja grande, o comportamento das empresas é muito diferente, como certamente saberá. Por isso,algumas delas há muito desejam ser também legalmente responsabilizadas. Está escrito e foi dito em muitos lados. A não responsabilização só beneficia as tais "intermediárias" ou as "Associações empresa".

Alexandre disse...

Eu não simplifiquei, António. Tentei responder à minha primeira pergunta com a resposta que acho que obtive, lendo os comentários que se seguiram - e a "minha" resposta é a de que a responsabilidade legal transita directamente para o arqueólogo "subcontratado", tornando-se a empresa "intermediária" inimputável de facto - o que é absurdo, quando foi ela que, no limite, seleccionou e contratualizou o agente final.

Ou seja, o enquadramento legal, tal como ele está delineado (ou melhor, tal como ele é lido, interpretado e posto em prática pela(s) tutela(s)), conduz, na minha opinião, à desresponsabilização e ao nivelamento por baixo da actividade empresarial.

Se não só não há incentivos (para além do brio pessoal e da consciência deontológica de cada um) à elevação da fasquia, como também não há obstáculos dissuasores às más práticas - coimas, penas de prisão, interdição de exercer actividade comercial ou profissional, etc. - parece-me que a arqueologia que se pratica só pode ser, pela lei do mercado e no curto e no médio prazo, uma arqueologia de low cost - low return.

Pelo que sei, pelo que tenho lido, parece-me que não é esse o caso de algumas empresas - não é preciso esforçarmo-nos muito para verificar quem é que publica o quê e onde e quem é que o não faz, por exemplo. Mas não estarão essas empresas - que singram, a meu ver, pelo caminho correcto em termos de boas práticas arqueológicas, retorno social e científico, etc. - a competir num mercado que é desleal e que acabará por eventualmente as condenar?

Em todo o caso, concordo contigo, como é óbvio - não se pode simplificar e ambos sabemos que se há joio, também há trigo. Há é que separá-lo e cultivá-lo.

Anónimo disse...

A responsabilização das empresas é uma aspiração já antiga mas, digamos assim, "quando convém". Assim como há situações em que dá jeito às empresas alegar que "a asneira foi do arqueólogo, mas não se aflijam que já o pusemos na rua", também haverá casos em que o arqueólogo responsável poderá alegar que agiu com directrizes da empresa com as quais não concordava. A diferença nestes casos é que o arqueólogo pode ser proibido de dirigir trabalhos no futuro, enquento que às empresas nada acontece. Esta é só mais uma achega pois, no essencial, concordo com o que foi dito pelos comentadores anteriores que, por sua vez e salvo algumas divergências, parecem concordar uns com os outros no essencial (tirando os anónimos, claro).

Ora, se as pessoas parecem concordar no essencial, porque é que as coisas não avançam? exactamente porque um blogue nunca reflecte a realidade mas apenas a opinião das pessoas que nele escrevem (e às vezes nem isso).

Adicionalmente vamos lendo por aqui e por outros lados) os acessos de cólera de quem é capaz de se largar à cabeçada à parede se lá vir a foto de um político (de outra cor que não a sua) ou empresário mais conhecido e, entretanto, os maiores culpados pela degradação das condições de trabalho e de remuneração, a esses ninguém os lê, ninguém os ouve e, consequentemente, ninguém os ataca. E não é que a estratégia resulta?

Alexandre disse...

"(A)os maiores culpados pela degradação das condições de trabalho e de remuneração, a esses ninguém os lê, ninguém os ouve e, consequentemente, ninguém os ataca. E não é que a estratégia resulta?"

Deve resultar, certamente, porque não faço a minima ideia de quem falas...

Miguel Almeida disse...

Bem, vejamos se isto agora corre melhor, porque ao envio do meu último comentário foi para o complicadinho… e não saiu em condições. Lamento! Obviamente peço-vos que não considerem os erros que dificultavam muito a mensagem, nomeadamente umas partes de outros comentários que estavam a mais.
As minhas desculpas.

No último comentário do Alexandre há umas coisa que queria esclarecer… e também sublinhar algumas constatações!

1. Acerca da (ir)responsabilidade das empresas
De facto, nenhuma responsabilidade legal transita da empresa para o arqueólogo, porque: (1) a respeito das responsabilidades técnicas a respeito dos trabalhos de Arqueologia a empresa não é tida nem achada e (2) a respeito das responsabilidades contratuais com o promotor é o arqueólogo que é irrelevante, na medida em que se trata de um contrato de direito privado entre o promotor e a empresa, sem qualquer participação do arqueólogo.
Portanto, do ponto de vista do Direito a situação é um pouco caricata:
(1) Existe o tal contrato entre o promotor e a empresa de Arqueologia;
(2) O fundamento deste contrato é a prestação de um serviço (de Arqueologia) a que o promotor está obrigado pelo Estado;
(3) Porém este serviço é executado por um arqueólogo que não tem qualquer responsabilidade perante o promotor, mas é considerado responsável (técnico) exclusivo pelo Estado;
(4) E, para completar o carrossel, na maior parte das vezes nem sequer existe um contrato expresso entre este arqueólogo (que tem todas as responsabilidades técnicas) e a empresa de Arqueologia (que tem todas as responsabilidades contratuais).
Vês a quebra do nexo jurídico?
É por isso que desde há muito secundo o António Valera na batalha por uma responsabilização também da empresa de Arqueologia. Não se trata de substituir a responsabilidade técnica do arqueólogo responsável, mas sim de reforçá-la com uma co-responsabilização da entidade que sustenta (ou deveria sustentar!) tanto logística, como financeira e cientificamente a intervenção.
Se insisto neste ponto é por recear que tenha sido um comentário meu a induzir-te em erro: quando disse que deve haver mecanismos contratuais de transferência de direitos e obrigações entre a empresa e o arqueólogo não era no sentido de transferir responsabilidades da empresa (que à partida não as tem, pelo que as não poderia transferir) para o arqueólogo, mas sim o contrário.

2. Sim, o que a situação actual cria de facto é um ambiente muito favorável para a proliferação das tais empresas que pouco mais são do que intermediários, não iria tão longe como para chamá-los inimputáveis, mas, para nos mantermos no âmbito apertado do rigor semântico: irresponsáveis. Este ambiente, que não resulta de uma interpretação, mas sim de uma lacuna legal, só pode, como muito bem dizes, conduzir ao tal “nivelamento por baixo da actividade empresarial”, até porque “não só não há incentivos à elevação da fasquia (…), como também não há obstáculos dissuasores às más práticas. Resultado da equação: Arqueologia low cost!

3. O último comentário é para corroborar inteiramente a tua afirmação de que as empresas que tentam alterar este sistema e apresentam mais preocupações de qualidade e retorno social e científico, etc. estão de facto no presente a competir num mercado que lhes é desleal e que acabará não apenas eventual, mas mesmo PROVAVELMENTE por condená-las? É por isso que me vêm aparecer em todo o lado a bater-me por uma discriminação das empresas que favoreça as boas práticas e sancione as más.

4. Comentário supra-numerário: não é por acaso que algumas empresas de Arqueologia (que também a meu ver são já hoje melhorzinhas) estão apostadas na tal batalha da responsabilização, qualidade, etc. É porque disso depende a sua própria subsistência.

Anónimo disse...

Pois, eu também não os conheço pessoalmente.

Estou a falar concretamente de quem levou o "mercado" para o fundo, concorrendo à base de orçamentos "irreais"; de quem não dá condições de trabalho aos arqueólogos, pagando pouco, sem alojamento, sem carro para as deslocações de trabalho, sem material fotográfico, sem qualquer tipo de logística, sem ajudas de custo e, muitas vezes ainda por cima, atrasando os pagamentos (quando paga), ao ponto de haver pessoas que, inexperientes e desprevenidas, acabam por pagar para trabalhar.

Ouvem-se muitas histórias destas mas as pessoas preferem deixar a Arqueologia a denunciar estas entidades. Entretanto, ataca-se tudo o que se vê mexer. Há empresas que pagam a horas, há empresas que pagam acima da média. O tamanho e estrutura também não é, só por si, critério pois há empresas maiores que não pagam a horas, assim como as há pequenas que pagam bem e a tempo. Cada caso é um caso e, claro, nestes tempos de "mediatização", o que nâo se vê não existe (não estou a falar dos boatos, que esses não se vêem, mas ouvem-se bem, o que, só por si, não lhes confere veracidade).

Anónimo disse...

Acho engraçado as próprias empresas não denunciarem a má concorrência, não avisarem os restantes profissionais, não tomarem medidas legais, depois querem que os jovens profissionais, que não têm dinheiro para comprar o jornal todos os dias, começem uma batalha legal. Vocês são lesados, têm os advogados, têm tempo e dinheiro, têm conhecimento de causa, apesar de tudo isto nem mencionam o nome de uma das tais empresas do low cost (como por exemplo a ozecarus). Se calhar dá jeito ter uma desculpa....... epá os outros fazem.....organizem-se antes que seja tarde, ganhem coragem.

Anónimo disse...

Ordenados tabelados, mostrem lá que têm boas intenções.