2008-11-20

Arqueologia Empresarial

Breves notas soltas sobre o primeiro dia de trabalhos do 1º Congresso Português de Arqueologia Empresarial, que decorre hoje e amanhã na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

  • O desejo de João Pedro Cunha Ribeiro, em representação do IGESPAR, de poder contar com interlocutores representativos da Arqueologia empresarial, municipal e universitária. Pelo menos no que respeita aos municípios, sou bastante céptico do papel que se espera da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
  • Outro desejo, o de Miguel Lago, em representação da empresa ERA Arqueologia, de que este Congresso "faça História" no que à Arqueologia empresarial respeita. Assim seja, mas será o pós-Congresso a decidir o seu efeito prático.
  • A excelente comunicação de abertura de Felipe Criado Boado (CSIC, Espanha), que chamou a atenção para o papel decisivo da tutela na criação das condições para o desenvolvimento da Arqueologia, nomeadamente na sua vertente empresarial, e introduziu conceitos poucas vezes discutidos no nosso país ("Sociologia da inovação", "Tecnociência", "Arqueologia da Sociedade" versus "Arqueologia em Sociedade", "EBC - Empresas de Base Cultural", "transferência de conhecimento", etc.). Espero que venha a ser publicada.
  • O case study da Herdade dos Alfares, que serviu de mote para Miguel Almeida, da empresa Dryas Arqueologia, reflectir sobre a Arqueologia dita preventiva e apresentar um exemplo do que esta não deve ser.
  • Um debate onde se reconheceram incapacidades para superar défices de programação que não permitem incorporar práticas sustentadas de investigação na Arqueologia preventiva e de salvaguarda; se defendeu a vantagem de constituição de equipas de gestão territorial em centros históricos e núcleos urbanos antigos; e a necessidade de tratar as cidades históricas como verdadeiros sítios arqueológicos, salvaguardando a compatibilidade de metodologias e técnicas de registo e a gestão integrada da informação documental (e dos espólios, acrescento eu).
  • O workshop sobre "Ética Empresarial em Arqueologia", com um debate algo mitigado pela falta de tempo, que não permitiu apontar caminhos para transformar a ética e o rigor profissional em factores de vantagem competitiva.
  • A conferência final de Carlos Fabião, com um balanço da Arqueologia empresarial portuguesa da última década, que relacionou o seu forte crescimento essencialmente com a repercussão do "caso Côa", em termos públicos e institucionais (criação do IPA e ratificação da Convenção de Malta); defendeu que a Arqueologia dita "preventiva" é, na sua maioria, "reactiva" e centrada na generalização de um princípio que devia ser excepção, o da "conservação pelo registo"; e salientou as desigualdades de uma actividade muito exposta e concentrada nos meios urbanos, com escassa participação no ordenamento do território e grave insuficiência de reconhecimento público, político e social. No debate subsequente, voltou a enfatizar-se que esta última tem como uma das causas próximas a deficiente comunicação dos arqueólogos para com públicos não especializados. Apetece dizer que há muito que este diagnóstico está feito, e até já se apontaram vários processos "terapêuticos"... falta simplesmente disponiblidade para começar a "tratar" o "paciente"!

4 comentários:

PF disse...

Devido a afazeres pessoais, apenas pude estar presente no Workshop "Ética Empresarial e Arqueologia". Não posso dizer que saí totalmente satisfeito do mesmo, mas fiquei com a impressão de que existe vontade (pelo menos da parte dos verdadeiros empresários da Arqueologia nacional) para avançar decidida e definitivamente para uma solução que, a médio prazo, venha a contribuir para uma maior dignificação da actividade arqueológica praticada em contexto empresarial. Esperemos que não me engane.

Miguel Lago disse...

Esta questão das cidades como sítios arqueológicos é perigosa, se encarada em termos de "coutada" tutelada por uma única equipa específica. Um exemplo dessa estratégia, sem suporte legal, está em vigor em Braga há muitos anos e não creio que seja um exemplo a seguir. Esta é uma questão que merece uma reflexão muito séria, devendo as autarquias ter uma papel central na gestão, as universidades na investigação e as empresas na execução de projectos específicos em que os processos de investigação em curso devem ser considerados.
A correcta interligação de diferentes actores do sistema é um dos grandes desafios que temos pela frente; sempre na certeza de que a cada um cabem papéis complementares que não se anulam (ou não devem).

JR disse...

Quando se fala em compatibilidade de metodologias e técnicas de registo, pressupõe-se imediatamente a existência de vários actores no terreno, podendo estes ser de natureza pública ou privada. Não há, de facto, qualquer vantagem na criação de "coutadas".
O que me pareceu estar na base da posição de Carlos Fabião, e bem, foi a necessidade de gerir de modo integrado o registo documental daí decorrente (e os espólios, acrescentei eu), e de dar algum sentido à própria estratégia de intervenção no espaço urbano.
Não é possível que continuem a intervir várias equipas, umas ao lado das outras ou, inclusive, nos mesmos sítios, queixando-se de que nada sabem umas das outras.
Não é possível que os arquivos documentais e os espólios se pulverizem não se sabe muito bem por onde.
Não é possível que se intervenha durante anos sobre um núcleo urbano antigo sem que se criem condições para conhecer melhor o seu percurso histórico. Nem haja possibilidade de identificar as prioridades e as estratégias para o conseguir.

Miguel Lago disse...

Trata-se de gerir informação. Esse papel deveria caber à tutela através do Endovélico e, no caso da cidades, a entidades gestoras municipais. As universidades têm um papel vital a desempenhar em processos de investigação. Em muitos casos conhecidos, se as universidades não integram determinadas competências ou especialistas em certos temas ou ambientes cronológico-culturais, assiste-se a um desvalorizar de valores patrimoniais e a investimentos orientados para agendas específicas, muitas vezes pessoais. As cidades são demasiado complexas para uma gestão típica como a que se verifica na generalidade dos sítios arqueológicos.

Naturalmente, é vital a circulação da informação, a replicabilidade dos registos e a orientação dos diversos projectos para problemáticas de investigação. Ou seja, deve ser travada uma arqueologia asséptica e puramente técnica. Mas tal deve ser obtido pela exigência colocada na qualificação das equipas e na avaliação aos planos de trabalho, incluindo não apenas o como realizar, mas também o porque realizar e com que objectivos.

Uma nota breve: numa sociedade democrática, espero que nem todos trabalhem da mesma maneira e Deus me livre de contratar com alguém que não quer trabalhar comigo...perder ou ganhar um concurso limpo é sempre agradável. Pior, é mesmo quando os concursos não chegam a ser realizados. Nesses casos, deixa de existir gestão da informação e produção de conhecimento para passar a existir "currupção".