2008-11-25

Notas pessoais sobre o CPAE

Por força das circunstâncias estive “preso” ao Auditório 3, pelo que pouco ou nada posso dizer sobre o que se passou nos Workshop. São as contingências de ter sessões em simultâneo, mas isso é o que vai acontecendo por todo o lado, face ao aumento do número de participantes e propostas de comunicação. Qualquer fórum que ambicione congregar um número relevante de participações e discutir temáticas variadas terá que enveredar por esta solução. Como em muitas outras ocasiões na vida, somos obrigados a optar. Mas isso não é um mal, apenas uma responsabilização.
Assim, apenas poderei emitir opinião sobre a percepção que desenvolvi sobre o Congresso em geral e sobre o que se passou no Auditório 3 em particular.

Em termos gerais devo dizer que o Congresso cumpriu. Poderia ter-se atingido um nível um pouco mais alto, mas, mais que uma crítica, esta observação deve ser entendida o sublinhar da existência de margem de progressão.
Antes de tudo mais cabe sublinhar o facto de que foi possível, com consequência prática, reunir empresas concorrentes em torno de projectos de interesse comum e geral. Neste sentido, e face ao historial da arqueologia portuguesa, esta conquista não é de desprezar.
Segue-se o facto de o Congresso traduzir uma dupla atitude: primeiro, afirmação de que há, apesar de tudo, qualidade na arqueologia realizada em contexto empresarial; segundo que existe uma atitude de auto reflexão e de auto crítica nesse meio, atitude que, infelizmente, não é generalizada.

Quando a observações mais concretas, diria (como já foi comentado por outros) que se repetiram diagnósticos há muito estabelecidos, faltando a indicação de caminhos e de soluções para resolver o que já todos percebemos estar mal. Poderia mesmo dizer que 2008 foi um ano (e continua a ser) muito profícuo em “reuniões de diagnóstico”, sendo a capacidade de arqueólogos e instituições que os enquadram para actuar na resolução dos problemas inventariados inversamente proporcional à sua capacidade de diagnosticar. Esta afirmação, já tantas vezes repetida, não deixa de ser mais uma demonstração dessa mesma evidência. Um mal nacional, que se traduz numa tradicional e generalizada atrofia para a acção, a qual foi várias vezes exposta com incomparável beleza por Pessoa. A título de exemplo:
"Como todo o sonhador, senti sempre que o meu mister era criar. Como nunca soube fazer um esforço ou activar uma intenção, criar coincidiu-me sempre com sonhar, querer ou desejar, e fazer gestos com sonhar os gestos que desejaria poder fazer." (Bernardo Soares, O Livro do Desassossego)

Mas também aqui, o CPAE, pelo simples facto de ter sido concretizado, parece querer inovar.
Quanto ao que se passou no Auditório 3, gostaria de salientar o brilhantismo da conferência de Criado Boado. Concorde-se ou não com a mensagem, esteve ali o que deve ser um arqueólogo: inteligente; com capacidade crítica para perceber as redes complexas que contextualizam qualquer problema; com opção por um caminho estruturado e claro, sustentado por uma percepção educada da actual sociologia que envolve a ciência, as suas disciplinas em geral e a arqueológica em particular.
Do que foi o conjunto da sua mensagem gostaria de sublinhar a ideia que vincula a administração a não abandonar o “bebé”: se de facto foi através da legislação que se gerou uma “inovação social” (uma área de actividade económica, social, cultural e política), um “sector” anteriormente inexistente, então a administração não pode apenas assumir que se responsabiliza pelo património. Terá também que perceber que tem impacto (e responsabilidade) em tudo aquilo que gira à volta dele. Não de uma forma dirigista e paternalista, mas de uma forma “fomentadora” e “reguladora”. Não há património sem um “sector” do património, que deveria ser ajudado a crescer na sua diversidade institucional.

Quanto ao resto, e porque a “conversa já vai longa”, diria que houve coisas boas e outras menos boas. Mas a avaliação não pode ser feita apenas relativamente às necessidades do presente e ao que possamos ambicionar de melhor no futuro. Há que olhar para trás. E quando temos esse olhar, então fica óbvio que este Congresso foi revelador do que se conseguiu em apenas 10 anos. Assim haja ideias e capacidade para as por em prática. Empreendorismo, portanto. Mas cuidado, noutros 10 anos (ou menos) as coisas podem regredir. Como diz um anúncio actual numa das televisões, o erro da humanidade é pensar que males passados não se podem repetir. Tudo, depois de conquistado, necessita de manutenção (e não apenas os sítios arqueológicos). O CPAE é uma dessas conquistas merecedoras de manutenção. Não tanto pelo que já fez, mas sobretudo pelo que ainda pode fazer. Quanto às “bocas” que vão aparecendo, sugiro que se releia o que escrevi sobre a intervenção de Criado Boado.

A.V.

2008-11-24

Ainda o 1º CPAE

Após um longo silêncio -- tenho de facto dificuldade em adaptar-me a esta nova forma de comunicação -- a participação no I Congresso de Arqueologia Empresarial parece ter estimulado este retorno ao ciber espaço. Talvez seja da influência da "juventude" ali dominante, primeira distinção do encontro relativamente a muitos outros...
Alguns comentários e impressões avulsas:

-- quer queiramos ou não, existem já várias "arqueologias" no país e na Gulbenkian, praticamente, estava apenas uma dessas "arqueologias", a mais nova. Das outras, e para além dos convidados institucionais, daqueles que se inscreveram..., quantos marcaram presença? É certo que há muitos colóquios nesta altura do ano (no próximo fim de semana é já o do SW, em Aracena...) mas isso não deve explicar tudo;

-- por outro lado, e apesar das dificuldades, da concorrência desleal, da fragmentação do mercado e dos projectos, há muito trabalho de campo feito com grande rigor técnico e profissionalismo. Faltam-nos é certo elementos de comparação para podermos ter uma visão mais correcta do que vale na globalidade o que se vai fazendo em arqueologia preventiva por esse país fora, mas a amostragem é impressionante;

-- para além do trabalho de campo, é obrigatório constatar que há um efectivo esforço de processamento científico dos novos dados obtidos, alguns dos quais vêm revolucionar completamente as concepções durante décadas dominantes;

Naturalmente, haverá algumas notas menos positivas:

-- o mercado empresarial é bastante mais vasto do que as 5 empresas organizadoras. Embora tenha reconhecido a presença de colegas ligados a outras empresas, haverá alguma ideia do respectivo grau de adesão (oficial ou oficiosa...)? De qualquer modo, este I Congresso veio mostrar não apenas a vitalidade do sector mas até provar que, apesar do longo caminho a percorrer e das desconfianças que permanecem, é possível uma qualquer forma de organização. Um secretariado permanente (nem que seja apenas para preparar o próximo Congresso...) é já um passo.

-- segunda nota menos positiva mas que também não dependerá apenas da organização. Houve algum eco na comunicação social? Haverá que de futuro associar algum "hapenning" algum anúncio extraordinário... para atrair os"media".

Há certamente outros comentários sugeridos por este interessante Congresso mas que deixarei para outras Notas. Vou percebendo que neste meio da blogosfera, os textos longos ou muito estruturados, não são propriamente a forma mais adequada. Voltarei por isso ao assunto.

António Carlos Silva

2008-11-22

Arqueologia Empresarial - II

Notas soltas sobre o 2º (e último) dia do 1º Congresso Português de Arqueologia Empresarial.

  • A conferência de um jovem expert da gestão empresarial, Leandro Pereira, com algumas informações úteis acerca dos normativos internacionais sobre a gestão de qualidade e a respectiva certificação. Mas, por que será que estes especialistas privilegiam sempre um tom que nos remete imediatamente para o de um pregador evangélico?
  • O workshop "Credenciação, Regulação e Fiscalização na Arqueologia Portuguesa", onde, como seria de esperar, avultou a presença de João Pedro Cunha Ribeiro, actual vice-presidente do IGESPAR com responsabilidades na área da Arqueologia. Como se provou no debate subsequente, as áreas mais polémicas da sua intervenção foram as da credenciação dos arqueólogos (defendeu a sua manutenção na tutela e a eventual adaptação dos ciclos de Bolonha aos graus de exigência dos trabalhos arqueológicos, com a possibilidade da licenciatura vir a ser associada a prospecções e acompanhamentos, o mestrado à escavação e o doutoramento aos projectos de investigação); da clarificação da relações entre o IGESPAR, nomeadamente ao nível das suas extensões territoriais, e as direcções-regionais de Cultura (com eventual descentralização para estas últimas de responsabilidades de fiscalização e acompanhamento); e da política de divulgação do Instituto (com a hipotética recuperação da Informação Arqueológica mas assumindo que a Revista Portuguesa de Arqueologia e a série Trabalhos de Arqueologia não são prioridade). Outros colaboradores deste blogue poderão desenvolver melhor o enfrentamento claro e, por vezes, duro que animou o debate. Retenho apenas um ponto que não houve oportunidade de discutir aí: o da relação entre o Instituto e as autarquias. Apelou-se a um maior envolvimento destas na divulgação dos trabalhos arqueológicos, principalmente junto das comunidades escolares locais, mas, digo eu, para isso, seria preciso que às autarquias chegasse informação muito mais consistente do que a simples comunicação de autorização. E não me parece que seja a via mais exequível para o fim em vista.
  • Naturalmente, a presença dos dois outros intervenientes no mesmo workshop (Vítor Cóias, do GECoRPA, e João Almeida, da EDIA) ficou algo secundarizada, embora o primeiro tenha apresentado um exemplo interessante de auto-qualificação das empresas, e o segundo reflexões importantes sobre a experiência da EDIA na relação com a Arqueologia empresarial.
  • O worshop sobre experiências internacionais, com convidados do Reino Unido, de França e dos EUA, confrontou soluções assentes na auto-regulação dos arqueólogos, na intervenção da administração pública e no papel das empresas, respectivamente. São realidades perfeitamente contrastantes, mas que interessará conhecer melhor.

2008-11-20

Arqueologia Empresarial

Breves notas soltas sobre o primeiro dia de trabalhos do 1º Congresso Português de Arqueologia Empresarial, que decorre hoje e amanhã na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

  • O desejo de João Pedro Cunha Ribeiro, em representação do IGESPAR, de poder contar com interlocutores representativos da Arqueologia empresarial, municipal e universitária. Pelo menos no que respeita aos municípios, sou bastante céptico do papel que se espera da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
  • Outro desejo, o de Miguel Lago, em representação da empresa ERA Arqueologia, de que este Congresso "faça História" no que à Arqueologia empresarial respeita. Assim seja, mas será o pós-Congresso a decidir o seu efeito prático.
  • A excelente comunicação de abertura de Felipe Criado Boado (CSIC, Espanha), que chamou a atenção para o papel decisivo da tutela na criação das condições para o desenvolvimento da Arqueologia, nomeadamente na sua vertente empresarial, e introduziu conceitos poucas vezes discutidos no nosso país ("Sociologia da inovação", "Tecnociência", "Arqueologia da Sociedade" versus "Arqueologia em Sociedade", "EBC - Empresas de Base Cultural", "transferência de conhecimento", etc.). Espero que venha a ser publicada.
  • O case study da Herdade dos Alfares, que serviu de mote para Miguel Almeida, da empresa Dryas Arqueologia, reflectir sobre a Arqueologia dita preventiva e apresentar um exemplo do que esta não deve ser.
  • Um debate onde se reconheceram incapacidades para superar défices de programação que não permitem incorporar práticas sustentadas de investigação na Arqueologia preventiva e de salvaguarda; se defendeu a vantagem de constituição de equipas de gestão territorial em centros históricos e núcleos urbanos antigos; e a necessidade de tratar as cidades históricas como verdadeiros sítios arqueológicos, salvaguardando a compatibilidade de metodologias e técnicas de registo e a gestão integrada da informação documental (e dos espólios, acrescento eu).
  • O workshop sobre "Ética Empresarial em Arqueologia", com um debate algo mitigado pela falta de tempo, que não permitiu apontar caminhos para transformar a ética e o rigor profissional em factores de vantagem competitiva.
  • A conferência final de Carlos Fabião, com um balanço da Arqueologia empresarial portuguesa da última década, que relacionou o seu forte crescimento essencialmente com a repercussão do "caso Côa", em termos públicos e institucionais (criação do IPA e ratificação da Convenção de Malta); defendeu que a Arqueologia dita "preventiva" é, na sua maioria, "reactiva" e centrada na generalização de um princípio que devia ser excepção, o da "conservação pelo registo"; e salientou as desigualdades de uma actividade muito exposta e concentrada nos meios urbanos, com escassa participação no ordenamento do território e grave insuficiência de reconhecimento público, político e social. No debate subsequente, voltou a enfatizar-se que esta última tem como uma das causas próximas a deficiente comunicação dos arqueólogos para com públicos não especializados. Apetece dizer que há muito que este diagnóstico está feito, e até já se apontaram vários processos "terapêuticos"... falta simplesmente disponiblidade para começar a "tratar" o "paciente"!