2008-10-05

Interpretação da Escrita do Sudoeste

Depois de uma versão já divulgada na Archport, o "Inimigo Público" da passada sexta-feira deu novo contributo para o conhecimento da denominada "escrita do sudoeste", a partir de uma interpretação original(íssima!) de Mário Botequilha, sobre a epígrafe recentemente encontrada em Mesas do Castelinho.

Transcreve-se o texto sem mais comentários, seguido da "ficha de leitura" em boa hora publicada por este caderno do jornal "Público".


Escrita do Sudoeste Interpretada Com o Tablet PC de Rui Santos

As escavações no povoado de Mesas do Castelinho, em Almodôvar, revelaram no mês passado a Pedra da Roseta da escrita do Sudoeste, uma espécie de Nuno Rogeiro em forma de calhau que permite interpretar inscrições com mais de 2500 anos, ou seja, anteriores a Manoel de Oliveira e Betty Grafstein. Os arqueólogos Carlos Fabião e Amílcar Guerra explicaram ao IP que "existem cerca de 90 estelas com inscrições em escrita do Sudoeste, a maior parte delas a servir de lancis nas rotundas. Até agora, não sabíamos bem o que estava lá escrito. Tanto podiam ser inscrições funerários dos tartéssicos, um reino mítico desta região da Península, como a marca de um pneu do expresso para Castro Verde".

Mas, graças a este pedregulho giro, tudo mudou. "Na semana em que a encontrámos, estávamos a ver o Rui Santos a brincar com o tablet pc no 'Tempo Extra' e fez-se luz", explicam Guerra e Fabião. "Percebemos que a escrita do Sudoeste não corre da direita para a esquerda, nem em espiral. Tem de ser lida na diagonal, como a 'TV Guia' ou o blogue de Santana Lopes. Eureka!" MB



Clique na imagem para ver melhor o resultado desta inesperada revelação.

2008-10-01

Espalhar a palavra do(s) Senhor(es e das Senhoras)

No encontro “Arqueologia e Autarquias” houve vários momentos em que o debate foi aceso, mesmo ao ponto de se recear a combustão espontânea da sala. Um deles foi a propósito da conferência de abertura do tema II – Arqueologia Preventiva e de Salvaguarda – na qual a nossa colega Isabel Ricardo apresentou o singular caso de Beja.

Singular porque a autarquia chamou a si a responsabilidade de regular a actividade arqueológica no município, com a produção de um Regulamento Municipal de Trabalhos Arqueológicos, actualmente em fase de discussão técnica pelos serviços da Câmara Municipal de Beja. Esta ideia fez estalar muitos comentários na sala do género: “temos algum Estado de Beja?” e alguns cépticos da administração autárquica abanavam a cabeça entre a estupefacção e a condescendência. Mas sei que também houve quem levou a ideia para casa e já esteja a vendê-la aos respectivos dirigentes. E quem falou com a direcção da APA a propor reuniões de trabalho para desenvolver este tipo de instrumento.

Devo desde já dizer que, no plano dos princípios, me oponho à ideia. Na ausência de uma auto-regulação da classe – modelo que claramente prefiro – , a regulação da actividade arqueológica deve continuar a ser uma atribuição do Estado Central, sendo arriscado pulverizá-la por 308 entidades tão distintas como são as autarquias portuguesas. No plano dos princípios ainda, essa regulação do Estado Central dever ser apoiada numa monitorização exemplar do território e dos agentes que nele actuam sobre o património arqueológico. E essa acção será assim o garante da consistência e coerência do “regime de protecção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura”.

Mas, infelizmente, a discussão nesta matéria não está ao nível dos princípios. Está ao nível da prática quotidiana de quem assiste ao desmantelamento de estruturas do Estado Central que – não omitindo muitas deficiências e lacunas – até há pouco ainda iam cumprindo os princípios da lei de bases do património cultural. E, no que ao património arqueológico diz respeito, a assistir, na primeira fila, a tudo o que se passa no território (e não só na capital do império) estão... os arqueólogos que trabalham nas autarquias.

E lançam mão do que podem para que a actividade arqueológica no território em que trabalham se faça da melhor maneira. Os que lançam, sim, não me esqueço que também há maus profissionais nas autarquias, mas não é desses que estamos a falar agora. Estamos a falar dos que esforçam e que nos mostraram experiências muito positivas durante os três dias do encontro. E a experiência de Beja é muito positiva.

A questão é saber se conseguimos multiplicar essa experiência por tantos municípios quanto os há, sem prejudicar a coerência e consistência da regulação da actividade a nível nacional. Diziam-me ao almoço no dia da conferência da Isabel Ricardo, que não. Que eu nem pensasse que conseguia uniformizar procedimentos onde isso nunca foi hábito, onde o regime de taxas e licenças é variável caso a caso, onde nunca a Associação Nacional de Municípios se conseguiu impor como entidade aglutinadora do que quer que fosse. Lá fui dizendo que compreendia todos os argumentos se os colocássemos ao nível politico, mas que se centrássemos a questão a nível técnico não via porque é que não era possível que nós, os técnicos, nos puséssemos de acordo e propuséssemos soluções similares para diferentes ratificações politicas. “O quê? Tipo andar de porta em porta a espalhar a palavra do Senhor e esperar que um dia o mundo fique melhor?”

Ora aí está. Eu que não sou nada religiosa não poderia arranjar melhor máxima. Vamos espalhar a palavra dos senhores e das senhoras que todos os dias fazem um bom trabalho nas autarquias portuguesas, e construir propostas tecnicamente fundamentadas e coerentes, porque alicerçadas na partilha de boas práticas. Basta esperar depois que 308 executivos assinem por baixo.

É um bocadinho ingénuo? Talvez. Mas, na ausência de uma actividade reguladora séria e digna desse nome por parte do Estado Central, é o melhor que consigo propor no caminho da auto-regulação baseada em critérios de qualidade, ética e deontologia profissional.